Um baú
Quando vi aquele baú meus olhos se iluminaram, parecia que eu entrava num mundo encantado, sim, nunca havia visto tantas revistas, gibis, desenhos, fotografias... Lembro-me que havia um ano que cursava o primário na escola isolada da vila rural, confesso que aquele livrinho didático em nada me estimulava.
Eu tinha entre 8 e 9 anos, quando fervia na família a expectativa pela mudança de moradia, tudo era uma aventura naquela época; corríamos pelos gramados amanhecidos das corujas... Nadávamos no açude entre as flores e as folhas caídas... Anoitecíamos catando ovos de galinha... Chupávamos vergamota envergados no pé de laranjeira... Quando nos perdíamos na mata e ficávamos com medo do saci-pererê, tudo era novo!
Estávamos de mudança para o sítio do tio Mário. Um bom homem que depois de criar os filhos se viu sozinho, ele e a esposa. Lembro-me como hoje, a paixão do tio Mário pela roça. Mesmo depois de deixar o sítio, e, quando podia, amanhecia com sua velha bicicleta para ajudar meu pai. Eu ficava muito feliz com sua presença. Como poderia me esquecer dos dias compassados que corríamos entre as chácaras de caqui, a doçura do araçá, da ameixa vermelha e branca, do pêssego amarelado e da uva com gosto de poesia... Não esqueci!
O tio Mário convidou meu pai para que tomasse conta do sítio e o convite foi aceito. Quando da mudança, o tio Mário entregou para meu pai um baú com livros e revistas, relatou que aquele baú era da época de seus filhos. Meu pai recebeu com muito carinho, com a preocupação de preservar o conteúdo do baú, pois, nós ainda éramos crianças e poderíamos danificar os livros, tratou logo de esconder no forro da casa.
Quando o pai saia para trabalhar na roça e a mãe lavava roupa, pegávamos duas cadeiras, colocávamos uma encima da outra, eu segurava e meu irmão subia no forro, pegava um gibi e descia, era tudo muito rápido, pois, os pais poderiam chegar. Corríamos para longe, folheávamos as revistas e depois colocávamos de volta, meu pai não podia saber...
Assim, começa nossa aventura. Assim, começa um saboroso gosto pela leitura. Lembro-me que minha curiosidade era tamanha. Eu e meu irmão menor combinávamos mil e umas artimanhas para subir no forro da casa sem sermos vistos, apanhávamos um gibi, fugindo em seguida para ler as histórias infantis. Um abalançar!
Minha vida para a leitura nasceu num baú escondido.