UM DIA DIFERENTE
Ontem acordei cedo e animado.
Assim que saí de casa pra ir ao médico, dois jovens que passavam na rua me deram bom dia. O carro pegou com facilidade, acho que o abasteci num posto certo, idôneo. Uffa! Sorte a minha! No caminho, uma blitz policial me fez parar. Pediram-me a carteira, “dei apenas a de habilitação” e segui em paz, vendo pelo retrovisor que o oficial continuava comandando sua equipe sorridente. Nada de crianças nos sinais, incrível!
Cheguei ao consultório médico, onde tocava uma música clássica para aliviar as tensões pré-consultas dos pacientes. O médico já havia chegado e me atendeu no horário combinado. Lembrou-me muito meu avô, pelo excesso de cuidados e de perguntas. Saí de lá uma hora depois, com a certeza de que havíamos falado sobre tudo: colesterol, triglicérides, pressão arterial, alimentação. Até mesmo sobre exames preventivos! Muito simpático ele. Lembrei dos “médicos de família” de que meu avô tanto falava.
Parei depois no supermercado. No estacionamento, havia vagas e, curiosamente, percebi que não tinha “flanelinhas”. No caixa, recebi o troco em dinheiro. Matei uma grande saudade!
Quando já estava saindo, fui abordado por um candidato que me entregou cinco folhas de papel e me disse que ali estava sua plataforma política. Ele pediu gentilmente que eu conhecesse suas propostas e as avaliasse. Na última folha tinha seu número para o sufrágio do voto. Ele sorriu e seguiu em frente, abordando outras pessoas. Guardei os papéis com carinho para avaliar tudo mais tarde.
Segui para uma agência bancária que fica em frente a uma limpíssima e arborizada praça. Tive a opção de escolher entre dois atendentes e escolhi o mais sorridente. Logo uma funcionária lhe entregava um cafezinho fresco, perguntando se eu também gostaria. Disse-lhe que eu não tomava café e ela prontamente perguntou se eu queria chá, refrigerante ou água gelada.
Ao sair pela porta sem detector de armas, sentei num banco intacto daquela praça. Aliás, todos estavam intactos! Vi um pai orientando seu filho pra que jogasse o chiclete mascado na lixeira; mais adiante, um outro lia um livro de evangelização infantil para um casal de filhos.
Comprei, então, um jornal com o troco do supermercado. A princípio, achei que o jornaleiro havia me sacaneado, pois a página policial estava faltando. Depois de ouvir a minha reclamação pacientemente, ele justificou dizendo que, a pedido dos leitores, o jornal resolveu não mais publicar tal seção.
A manchete principal chamava para uma matéria sobre um projeto social de uma grande indústria que, além de adotar a praça onde eu estava, havia adotado também uma comunidade carente e estava fazendo o reflorestamento de 100 mil hectares da Mata Atlântica! Uma outra matéria se referia a um importante centro de pesquisas americano que mudara seu foco: não mais investia no desenvolvimento de armas biológicas, sua prioridade agora era encontrar uma vacina pra Aids, Dengue e a Meningite. A leitura estava muito interessante, nada havia de ataques pessoais, apesar de o ano ser eleitoral.
Justamente quando lia a matéria sobre um aumento para os aposentados, fui desconcentrado por um pequeno barulho: “Poft!”. A carteira de uma senhora havia caído no chão. E, antes que eu me levantasse pra pegar e devolver, um jovem com seu pit bull com focinheira, que vinha logo atrás dela o fez.
No momento em que voltava para a minha leitura, uma linda criança, menina encantadora, bem vestida, sentava ao meu lado. Parecia inquieta. Depois de alguns segundos, foi me perguntando:
- Tio, você tem filho?
- Sim, tenho.
- E você gosta dele, tio?
Respondi que sim e ela, então, ficou calada.
Fiquei intrigado e perguntei onde morava. Ela me apontou um edifício imponente, disse que morava no sexto andar com o pai e a madrasta. Engraçado como ela falava essas coisas com um belo sorriso.
Perguntei o que mais gostava de fazer e ela me disse, com aqueles grandes olhos brilhantes, que todas as manhãs seu pai o levava à janela do quarto para ver o sol. Ela achava divertido ver o sol pela tela de proteção, porque eram vários sóis: pedacinhos de um amarelo-alaranjado muito bonitos...
Nesse momento, meu celular tocou. Era o alarme programado para me acordar e viver mais um novo dia.