CASA DE PAI, ESCOLA DE FILHOS
As três primeiras etapas de minha vida foram tranqüilas e salutares. A memória não mostra nenhuma anormalidade ou frustração que tenha marcado esse período de primeira, segunda e terceira infância. A criança é a porta aberta para as mais inesperadas e maravilhosas realizações da natureza humana. Cabe aos responsáveis por ela educar com amor.
Até 1943, não havia escola pública no lugar onde morávamos. Papai então convidou meu avô Mariano, para ministrar aulas em nossa residência durante um mês, em dois turnos, a fim de alfabetizar a mim, Diassis, Socorro e Maria dos Remédios, bem como outros primos e vizinhos. E o milagre aconteceu: no fim desse curto período, a maioria estava alfabetizada.
Trago boas recordações do convívio com a comunidade dos marianos e meu avô é ainda uma figura ilustre e importante na minha vida, tanto pela sabedoria, quanto pelo exemplo de vida que nos deixou. Oficialmente foi meu professor por um mês, mas mestre a vida toda. Ele não perdia oportunidade de dar ensinamentos. Sentado em sua cadeira preguiçosa,passava-nos mensagens bíblicas, falava do passado, do presente e do futuro com palavras sábias e verdadeiras. Nunca o vi triste ou mal-humorado, sempre alegre e otimista – um símbolo da paciência. Com ele e com meus pais adquiri subsídios necessários para desenvolver meu potencial hereditário, formando o tipo de pessoa que hoje sou, com a minha própria filosofia de vida e liberdade de expressão. Assim cresci inserida socialmente na comunidade e no tempo.Cresci saudável, todavia só alcancei 1,50m de altura e peso em média de 50 a 55 quilos. Cor branca, olhos castanhos, cabelos ondulados, face corada e mãos pequenas, os dedos também pequenos e flexíveis facilitavam a produção de belos trabalhos manuais na arte de corte, costura e bordados. Sempre desinibida, coordenava idéias com clareza. Sensível e emotiva, otimista e segura na realização dos meus projetos, alto senso de justiça cristã, tenho vivido a fé, sem fanatismo nem radicalismo e jamais fugi às minhas responsabilidades, sempre que posso abraço também a causa do próximo mais próximo.
Desde a mais tenra idade registrei na memória lembranças agradáveis ou não, que hoje consigo descrevê-las. Por razões desconhecidas, na escola formal e na escola da vida, tive facilidade com o aprendizado.Nunca me calo quando é preciso falar. Tenho coração e mente nobres para perdoar sem esquecer os danos provocados pelo inimigo, perdoando sempre, sem ódio e sem rancor, mas calar nunca! Gosto de viver o presente e entregar a Deus o futuro, viver o hoje com intensidade e reviver o passado sem nenhuma mágoa.
A vida seria bem melhor se todos se amassem como irmãos e se perdoassem incondicionalmente. Perdoar não é esquecer, é lembrar sem desejo de vingança. As feridas mesmo curadas deixam cicatrizes enquanto, as mal curadas nunca param de sangrar. A falta de perdão é uma ferida aberta no coração, é uma porta aberta às enfermidades do corpo e da alma.
Aprendi de minha mãe – coração manso e humilde – capaz de tudo perdoar.Ela era modista e dona de casa prendada. Seu grau de instrução equivalia à terceira série de primeiro grau, bonita caligrafia e boa ortografia. Cuidava afetuosamente do esposo e dos filhos,fortes e bem nutridos, que corriam, brincavam, enchiam a paciência dela com suas travessuras. Preocupada com os menores, que, em sua sabedoria, estavam a merecer maiores cuidados, não se esquecia de dar igualmente aos outros filhos muito amor e carinho...Foi minha grande mestra desde a arte de costurar, bordar e a arte de viver. Deixou-nos muita saudade ao partir, muitas boas lembranças e ensinamentos. Doutrinou os filhos na religião católica e não deixava que ninguém dormisse, sem antes rezar o terço. Sinto saudade dos encontros no final da tarde, dos momento de oração e intimidade com Deus. Contudo, até hoje nos reunimos, quer para orar, quer para uma boa conversa em família.
LIMA,Adalberto; SOUSA, Neomísia.Saga dos Marianos