TIA EDWIGES
Era costume dos mais velhos atribuírem aos filhos o nome de santo do dia, do mês ou da devoção. Com “Mãe-Duca” foi por causa da devoção, visto que seu nascimento, 17 de setembro, não coincidia com as celebrações de Santa Edwiges, 16 de outubro, de quem herdara nome e virtudes. Assim como a santa, “Mãe-Duca” viveu plenamente as quatro dimensões da graça santificante: amou o mundo, a si mesma, ao próximo e a Deus... Viveu mais para os outros do que para si mesma. Com muita fé costumava dizer: “No ano vindouro vamos conseguir isso... aquilo...vai ser um ano bom de inferno, se Deus quiser, um ano pra se colher muito feijão..” Sempre havia em seu coração uma esperança de que no ano seguinte as coisas iriam melhorar.
Em tudo ela se assemelhou a Santa Edwiges definida por Montanhese (1989), à exceção da riqueza e do matrimônio. Não foi uma pessoa abastada, mas a Providência Divina nunca lhe deixou faltar o necessário para viver com dignidade. Por opção, jamais se casara, sua alma pura e recatada viveu a castidade até à morte. Muito amada pela família, e também querida pelo povo da redondeza, quando alguém queria evidenciar suas virtudes chamava-a de Duquesa ou Duca, em alusão à Santa Edwiges que fora Duquesa de Silésia e Polônia no século XII.
Tia Edwiges foi uma verdadeira mãe, uma santa do céu peregrinando na Terra. Nós a tratávamos como “Mãe-Duca”. E desse modo, revelávamos quanto a amávamos. Esse tratamento carinhoso ultrapassou as barreiras do convívio familiar, passando a ser conhecida também lá fora por “Manduca”, uma formação vinda do apelido “Mãe-Duca”. Ela foi mãe espiritual de muitos filhos, embora não tenha sido mãe biológica de nenhum deles. Ninguém jamais cuidou tão bem de uma criança quanto ela...O bebê que dava banho tinha um cheirinho diferente... As fraldinhas, assim como as demais roupas que lavava com sabão de oiticica, exalavam perfume como se perfumadas estivessem.
A mamãe a amava muito, uma vez que ficara órfã em sua tenra idade e recebera dela os cuidados de mãe. Seu coração cheio de amor resplandecia e agradava qualquer criança que viesse ao seu encontro. Fosse parente ou não. Fez-se serva e amiga de todos os filhos que mamãe ganhou. Caprichosa no que fazia, sua comidinha era muito gostosa.
Não me canso de repassar como em um filme aquele oratório aberto na parede, cheio de imagens de santos e enfeitado com flores silvestres, lírio, jasmins e espirradeiras, colhidas no quintal da casa. Depois do almoço ou à tardinha, aparecia com uma ata (pinha) amadurecida em casa - tome minha filha – guardei pra você...E à noite contava histórias de Trancoso, até me fazer dormir.
Como causava prazer dormir no quarto dela e acordar ao amanhecer com o canto dos passarinhos nos cajueiros, tamarindo e umbuzeiros em volta da casa!
Longos anos já se passaram e o tempo – agente transformador de muitas coisas – modificou a paisagem bucólica do torrão onde nasci. Algumas árvores não resistiram a falta da presença humana e morreram. Aprenderam a conviver conosco e sem nossa presença não sobreviveram. Outras, porém, foram golpeadas pelo machado de mãos que antes não tivessem passado por lá.
LIMA, Adalberto; SOUSA, Neomísia. Saga dos Marianos