O FORASTEIRO E A FLOR DOS OLHOS MEIGOS

Fala-se de um reino muito distante, cravado nas elevadas colinas de um esquecido continente, conhecido por seus planaltos vastos e gramados, cujo verde da relva termina onde começa o brilho cristalino das águas de seus rios.

Frutos e flores são o adorno natural daquelas bandas, que ao longo de um ano inteiro, parecem palco natural da coabitação entre outono e primavera.

Tudo era regado a muita paz naquele lugar, onde predominava o oxigenado aroma da sensibilidade humana.

O cetro de seu governo era regido por uma jovem e linda rainha, que por viver num magnífico palácio acercado de frondosos jardins, e por possuir um apaixonante olhar que denotava a mais íntima delicadeza, era conhecida como A Flor dos Olhos Meigos.

No auge de mais uma estação primaveril, porém, eis que surgiu por aquelas veredas, um estranho e enigmático forasteiro. No olhar trazia mistérios contidos e represados por um passado de dores, na bagagem histórias de muitos amores vividos e mal resolvidos, no íntimo um coração mais inclinado aos prazeres transitórios, que a uma autêntica paixão.

Sob o olhar curioso e desconfiado daquele povo pacato, o forasteiro adentrou à cidade, em busca de abrigo por uma noite, com planos de no dia seguinte prosseguir sua jornada rumo ao incerto.

Mas, como já se dava o cair da noite, o forasteiro encantou-se pelo límpido e estrelado céu daquele lugar, decidindo assim passear por seus bosques inspiradores.

No mesmo instante, movida pelo entediante destino de um coração vazio, a deslumbrante rainha igualmente saiu a passeio, sonhando de olhos abertos, com o advento de um grande amor.

Ordenando que permanecesse à distância sua guarda real, afastou-se a rainha, sumindo nas entranhas de seu bosque palaciano.

Foi então que coincidentemente, acharam-se a rainha e o forasteiro.

Ela, a priori, assustada pelo ímpeto da ocasião, mas logo depois viu-se hipnotizada pelo enigmático e convidativo olhar daquele estranho forasteiro.

Ele, pasmado perante beleza jamais vista, de passos congelados ao chão e pensamentos alados, reverenciou aquela que logo identificou ser a tão falada rainha daqueles torrões.

- Salve, minha rainha – disse o forasteiro.

- Conheço todos os meus súditos, mas asseguro que jamais te vi. Quem és e de onde vens? – retrucou a rainha.

- Sou um forasteiro sem destino, vindo do nada, partindo pro nunca, mas que agora sente que talvez deva permanecer por essas bandas, haja vista tamanho encanto de vossa majestade.

Tal ousadia não propiciou a indignação da rainha, e o que se viu foi um tímido sorriso no canto de seus lábios, seguido por um já seduzido brilho no olhar.

Passada aquela noite, decidiu o forasteiro não mais partir no dia seguinte. Estava perdidamente enamorado dos encantos testemunhados na linda rainha e dela não podia esquecer.

Ela, igualmente, não o podia expulsar de seus pensares e já concebia o absurdo de unir-se àquele estranho forasteiro plebeu, por não conseguir fugir ao grande amor, que a essas alturas já lhe correspondia.

Novamente reunidos, na tarde do dia seguinte, o ousado forasteiro declarou amar a rainha e a ela prometeu doar todas as forças de seu coração. Porém, asseverou o forasteiro:

- Sou homem simples, e digo que dispondo do pão, do teto e das vestes, tenho-me já por bem-aventurado. Os requintes da realeza não me seduzem ou interessam, pois tudo que quero e que tenho por precioso, é teu amor. Logo, se de fato me amas, eis que de volta estarei ao teu reino dentro de sete dias, e peço que o abandones por amor a mim, e sigas comigo rumo à felicidade.

Perplexa, a rainha pensou consigo mesma:

- Donde poderia vir homem de tamanha integridade, a ponto de abdicar do poder e riquezas, pelo amor de uma mulher?

- Estarei aqui quando voltares e seguirei contigo, por onde quer que fores, pois até hoje esperei por um amor de tua estirpe e logo vejo que em ti o encontrei – respondeu-lhe a rainha.

Não cabendo em si de tanta felicidade, após um beijo repleto de paixão, partiu o forasteiro rumo aos seus afazeres, retornando precisamente no sétimo dia seguinte, conforme por ambos acordado.

Logo nos portões de entrada do reino, percebeu enfeites valiosíssimos espalhados pelas ruas e o povo a festejar sob constantes brados: “Viva a rainha e muitos anos de amor com o nosso novo rei”

Intrigado, pensou o forasteiro:

- Certamente não me diz respeito esta festa, pois repudiei tais dádivas materiais, e tudo que reivindiquei foi por seu coração.

Logo, porém, ele entenderia as razões das efusivas comemorações coletivas, pois naquele mesmo instante passava por ali a carruagem real, trazendo a rainha ladeada por um homem de semblante rude, olhar altivo e trajado com vestes típicas de um monarca.

Após determinar ao cocheiro a parada do veículo, descendo e fitando seu olhar no forasteiro, falou-lhe a rainha:

- Sei que te prometi a renúncia de meu reino em troca do teu amor, mas me pediste além do que eu poderia atender-te. Recebi durante tua ausência outra proposta, que me seria mais lucrativa e mais condizente à minha condição social, e não pude rejeitá-la. Perdoe-me se puderes, mas terás que me esquecer.

Sem palavras ou respostas, com os olhos em mares e sem olhar pra trás, foi-se o forasteiro, atravessou os portões da cidade, e nunca mais foi visto.

Por muitos anos, manteve-se casada a linda rainha, afortunada de muitos bens, porém extremamente infeliz.

Quanto ao forasteiro, nada mais se pôde ouvir, exceto uma antiga lenda, muito difundida em meio à plebe daquele reino, de que ele morreu despedaçado pela solidão do próprio amor, e que as chuvas frias e constantes que tomaram o lugar daquelas eternas primaveras, só vão cessar após a morte da rainha, em sinal de protesto pelo grande amor por ela desprezado!!

Reinaldo Ribeiro
Enviado por Reinaldo Ribeiro em 11/06/2008
Código do texto: T1029541
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