FREI HORÁCIO

Quase meia noite!

A lua prateada ia clareando o Velho Convento que ficava instalado no cume do Monte Alverne.

O silencio noturno era interrompido apenas pelos lobos das montanhas e pelas corujas e urutaus que desfilavam por entre as árvores dos grandes e tenebrosos montes.

No convento, uma mesa enorme feita de uma tábua única, grossa e maciça, às beiras daquelas paredes escuras de pedras. Um lampadário no canto da grande cozinha que mal clareava todo o salão.

O chão rústico, mal varrido, canecas de zinco sobre um balcão que ficava à beira de uma gigante janela.

Havia tamboretes de madeira e um banco que aguardava as enormes nádegas de Horácio ao redor daquela mesa.

Era sempre em altas horas da noite, fazendo frio ou não, que Horácio descia pelas escadas feitas de pedra que dava acesso à cozinha.

Os dois chinelos feitos de coro grosso, trazendo em cima, os cento e vinte bons quilos, do frade endoidecido por um bom vinho com queijo curado, do tipo suíço.

Frei Horácio não abandonava o hábito marrom, feito de brim grosso com o cordão amarelado de sugeira e o canivete que recebeu como herança do seu bisavô querido.

No começo o vinho ia do pote para a caneca, da caneca para a boca.

De uma altura em diante, do pote o vinho ia direto para a boca. E o queijo era até esquecido.

Sentado no velho banco de madeira, Frei Horácio ia até pelas altas madrugadas.

Assim muitos anos se passaram.

Quando já estava bem idoso, quase não podia descer mais as escadas em altas madrugadas, ele com uma bengala reforçada, dava-se um jeito e chegava até à degustação solitária.

E eis que numa dessas noites bem geladas, a neve descia pelos telhados sem dó e nem piedade, Frei Horácio também descia, mas à procura do seu melhor amigo e o seu queijo bem furadinho.

Ao descer os degraus da velha escada de pedra, ele escorregou-se, rolando direto para a cozinha, com seus frágeis e pesados quilos.

Não conseguindo levantar-se e sentindo o ar acabar, escreveu com o canivete no chão empoeirado da cozinha:

Addio miei fratelli e priori. Addio mio buon vino. Addio mia formaggio giallo. In cielo vedremo nel nuovo. Più una vece: Arrivederti!

É isso aí!

Acácio

Acácio Nunes
Enviado por Acácio Nunes em 09/06/2008
Reeditado em 17/04/2017
Código do texto: T1026340
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