Renascendo a cada dia

Sentado no banco dessa praça eu fico imaginando coisas.

Observo os pássaros que voam sobre as árvores.

Faz frio, o inverno vem chegando e com ele a tristeza.

As dúvidas aumentam, olho para os lados. Vejo crianças agasalhadas brincando, idosos jogando xadrez e parece que todo mundo nesta manhã esta feliz.

Respiro fundo, volto a ler o meu livro que depois de um tempo o fecho, resignado.

Mais uma vez você venceu, levanto devagar, caminho por entre as pessoas e paro na calçada, o farol esta fechado para mim, parece uma metáfora.

Olho para o prédio onde agora moro, o farol abre e eu sigo em frente.

Atravesso a rua e vejo o camelo vendendo seus CDs piratas. Um menino descalço me pede um trocado, comprimento o porteiro e entro no elevador, olho meu rosto no espelho e vejo um desconhecido.

A porta se abre no meu andar e entro no apartamento , que pra mim é uma prisão.

Vou até a janela e olho para o horizonte, sinto a brisa fria cortando meu rosto e lembro do tempo em que ficava horas admirando as estrelas.

Porque será que agora eu não consigo ver beleza em nada?

Penso nas minhas filhas e até no meu cachorro, lembro das pessoas que amei e que já se foram.

Começa a garoar, houve tempo em que eu achava linda essa garoa fina que só são Paulo tem.

Essa cidade é cinza, e quando olho para ela com atenção eu vejo prédios lindos, parece que estou num filme antigo, daqueles em que o detetive vai narrando os acontecimentos, tudo em preto e branco.

Continuo com meus devaneios e um turbilhão se passa por minha cabeça, minha mãe me dando banho, a primeira queda de bicicleta, a minha professora do primário e o primeiro beijo.

Ao pensar na minha primeira punheta dou um leve sorriso pensando no susto que tomei ao ver sair aquela gosma de dentro de mim.

As brincadeiras de rua, a primeira transa, será que ela gostou?

O tempo de protestos, os punks, as diretas já.

Meu casamento, o nascimento do meu primeiro filho, a morte do meu filho.

A construção da casa, a luta insana para pagar as contas.

O nascimento de minha segunda filha.

A crise no casamento.

A separação... A volta.

O nascimento da minha terceira filha.

A felicidade parecendo voltar.

A felicidade indo embora.

A volta das brigas.

O fim do casamento.

Até que o som da música no apartamento ao lado me faz retornar a realidade.

Ouço a voz do Milton Nascimento cantando travessia.

Parece que está falando comigo e uma lagrima rola em meu rosto.

“Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer”.

O cara é foda, falo pras paredes.

Sei que ainda vai levar bastante tempo para a ferida cicatrizar.

Mas quem sou eu para duvidar do Milton?

É hora de mudança, tenho que ser forte, eu preciso ser forte.

O telefone toca e ouço a voz de minha filha me perguntando se pode passar o fim de semana comigo. Concordo com alegria.

Ando pelo apartamento ainda sem mobília e começo a planejar a minha nova vida.

Volto para a janela e olho para o céu, a garoa passou e uma fresta de luz começa a rasgar as nuvens pesadas.

É a vida que não pára, me levando a novos caminhos.

Paulo Siqueira Souza
Enviado por Paulo Siqueira Souza em 07/06/2008
Reeditado em 12/06/2008
Código do texto: T1024134
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.