Um raio de luz
Fecha os olhos.
Mais uma vez cai na letargia que a tem acometido nos últimos meses.
A filha chama-a, mas logo desiste. A mãe poderá ter entrado em um sono mais profundo, menos fragmentado do que o habitual. Corre as cortinas: uma quase penumbra estende-se pelo quarto.
Vai espiá-la, uma hora mais tarde. Encontra-a de olhos semi-abertos, uma ponta de baba nos lábios. Com o cuidado necessário, limpa-lhe a boca. Pergunta-lhe se deseja alguma coisa. Não, a mãe recusa-se a falar. Tem falado o mínimo, nos últimos dias. A situação piora, diante da insistência. Como se estivesse em greve.
Um primo que esteve fora por muitos anos quer saber se pode vir fazer-lhe uma visita. Gostaria de rever a companheira de infância. Acede: por que não? O encontro poderá ser benéfico para ela.
No dia em que ele aparece, embranquecido mas animado como sempre, leva-o até o quarto. Fernando acomoda-se bem perto da cama e dirige-se à doente com a sua voz vibrante. O olhar da mãe brilha, um sorriso aflora aos lábios e vai iluminando a sua fisionomia.
- Vamos cantar aquelas nossas canções de antigamente?
O primo começa a cantarolar em italiano. E, para sua surpresa, a mãe põe-se a acompanhá-lo. No início, num fio de voz; depois, já mais segura de si, procurando relembrar as palavras certas.
Quando termina a cantoria, ambos retomam a conversa. Em italiano, língua que aprenderam quando eram crianças. Depois que ele vai embora, esforça-se por formar algumas parcas frases naquela língua. A mãe responde, com naturalidade.
No dia seguinte, ela acorda em italiano. E faz pedidos, e reclama, e interroga. A situação fica difícil: a filha decide dar um telefonema providencial ao primo. Ele vem, prestativo, e senta-se ao lado da doente. Ambos batem papo por muito tempo, expressando-se com relativa facilidade. Até que a voz da mãe vai fraquejando.
- Ela está precisando descansar. Volto amanhã.
Fernando cumpriu a promessa. Só que não conseguiu falar com a prima. Ela tinha partido no início da manhã, tranqüila, um ar de sorriso nos lábios.