Dois limões
Eu havia nascido numa árvore logo ao lado da sua. E todas as manhãs, quando o sol parecia dar os primeiros sinais, eu abria os olhos e ficava admirando, de longe, aquela gotinha que escorria pelo seu rosto. E que, ao se encontrar com um pequeno raio de sol, fazia um brilho (que ninguém percebia, só eu...) capaz de acelerar meu coração por dias... Achava-o lindo. E sonhava com o dia em que pudesse tocar o seu rosto, limpar seu suor e sentir o seu cheiro... Teriam, todos os limões, o mesmo cheiro? Como saber, se eu nunca havia conhecido nenhum limão além dos que moravam na mesma árvore que eu...
Mas na noite do meu aniversário eu fui colhida... Enquanto aquelas mãos me agarravam e me levavam não sabia pra onde, eu procurei aquele rosto... Mas não o vi... Estava muito escuro. E nem pude me despedir.
Minha dor era tanta...
Espremeram-me... E misturaram açúcar ao meu corpo...
Depois, jogaram minhas vestes num vasilhame plástico qualquer... E depositaram meu suco em outro, de cristal... E ali fiquei, líquida, derramando-me em lágrimas silenciosas...
Aquele açúcar amargava minhas entranhas. Quisera eu, poder expressar toda a acidez dos meus sentimentos. Lembrava-me dele, do brilho das gotas escorrendo pela sua face esverdeada... Não me deram o direito de viver o que eu já havia há muito decidido. Alguém perguntara se eu queria ser retirada do meu mundo? Não. Ninguém perguntou. Colheram-me antes do tempo.Espremeram-me. Adoçaram-me. E me depositaram num jarro de cristal...
O que me esperava agora?
Eu não sabia.
De repente, senti algo que se misturava ao meu corpo, algo líquido, que se fundia ao meu sangue espremido com açúcar.Tentei identificar quem ou o que era aquilo. Cheguei a forçar algumas palavras. Mas uma gota, uma gota apenas... Brilhante.. E adocicada... Tocou meus lábios... E eu entendi...
Era ele.
Agora não éramos mais dois limões. Não se sabia onde um começava ou o outro terminava. E enquanto nos fundíamos, ele sussurrou:
_ Fiz de tudo pra estar com você no seu dia. Feliz aniversário, meu amor.
Éramos dois em um. Espremidos. Mas com toda a doçura do mundo.
(Adriana Luz - 2008)