Emoção
Naquela tarde, assim que entrou na sala viu, sobre o móvel do canto, perto da porta, o envelope de cor indefinida (como se a própria cor já indicasse o conteúdo da mensagem). Ficou ali parada por algum tempo. Não, não saberia precisar se foram segundos, minutos ou mesmo horas; só ficou ali, olhando para aquele envelope nem grande nem pequeno, naquela cor incerta que lhe causava arrepios.
O que estaria escrito ali?
As coisas não andavam bem, ela sabia e se desesperava tentando melhorá-las, mas parecia que nada surtia efeito. Por isso, quando a carta finalmente chegou não a pegou de surpresa...Para dizer a verdade ela já esperava alguma reação por parte dele, só não podia prever qual seria.
Será que ele não teria coragem de vir lhe dizer pessoalmente?
Lentamente foi fechando a porta e se aproximando do aparador onde o envelope parecia crescer a cada instante.
Fitam-se longamente, o envelope e ela. Agora, assim de perto, podia notar sua textura, sua quase transparência, sua provocação, insinuando o conteúdo que, com certeza, modificaria toda a sua vida.
Alguns minutos de hesitação e ela então estende a mão até o envelope. Uma sensação de desalento e auto-piedade a invade. Não consegue tocá-lo...Parece que queima.
Afasta-se um pouco e põe-se a fitá-lo como que enfeitiçada pela estranha magia que o envolve.
Nova tentativa. Desta vez, mais decidida, aproxima-se e num gesto rápido, quase violento, agarra o envelope e o aperta em suas mãos. Fica ali, tensa, esmagando o papel e, de repente, sente como se as palavras começassem a pulsar dentro dele. Ou seria o latejar das suas mãos que dava vida às palavras? Novamente não saberia dizer.
Não saberia dizer também por quanto tempo ficou ali e por mais que se concentrasse agora, não conseguia imaginar como tinha ido parar naquela poltrona à beira da janela. Quando deu por si era ali que estava, sentada na pontinha, mãos abandonadas no colo, os olhos fixos no envelope.
Sem resistir assiste às suas mãos rasgarem o papel, vagarosamente, como se qualquer movimento brusco pudesse ferir seu conteúdo. Abre o envelope e começa a puxar o papel fino, cuidadosamente dobrado. A caligrafia elegante e determinada, tão sua conhecida, salta do papel.
Sem mais, num repente, arremessa tudo, carta, envelope, para longe e essa sua reação a surpreende. O papel fino...flutua docemente e vem se colocar aos seus pés.
Ah...Como teve medo que essa hora chegasse. Quantas vezes desesperou-se e sofreu antevendo esse momento e agora, não mais imaginação nem fantasia, mas a realidade. A carta estava ali!
A sala mergulhada na penumbra intensa avisa-lhe que começa a escurecer. Abre então um pouco a cortina e um resto de claridade se insinua pelo ambiente. Não é muita não só o suficiente para definir o contorno dos móveis, dos objetos e do papel caído aos seus pés.
Abaixa-se, prende-o entre os dedos e o traz lentamente até o colo.
Tudo lhe custa um esforço enorme. Está exausta. Gotas finas de suor molham sua testa, seu buço. Até o dorso das mãos está molhado. A sensação é de total desconforto.
Percebendo que não poderia mais adiar aquela situação, começa a ler. O recado é curto, lacônico, metódico, tão dele! A letra elegante e decidida parece brincar com ela.
Desesperada corre os olhos pelo papel e perde o fôlego. As lágrimas desabam pelo seu rosto, descontroladas. Impotente, deixa escapar um gemido fundo e dolorido. O papel foge dos seus dedos novamente e vai se aninhar em seu colo.
Alucinada, agarra-o. Os olhos esbugalhados. A cabeça latejando. Lê e relê. Quer ter certeza do que está escrito.
“Chego amanhã.
Saudade...”
Então, um sorriso de pura felicidade inunda-lhe o rosto.