OS REVOLTOSOS NA CASA DE MARIANO GRANDE

Mariano Grande (1877 – 1954) dava aulas, sem nenhum vínculo com o serviço público. Professor e político respeitado, nunca concorrera a cargo eletivo, nem ocupou serviço público remunerado; trocava seus prestimosos serviços por amizade e compromisso com o meio social em que vivia. Construíra uma casa rústica, no Rodeador, à margem esquerda do rio Riachão. Ali criou quinze filhos nascidos de dois matrimônios.

No vasto pátio, erguia-se um majestoso pé de tamarindo e belos cajueiros que davam frutos, sombra e amenizavam o clima bastante quente do sertão nordestino. Os netos de Mariano e os meninos da vizinhança corriam nos galhos daquelas frondosas árvores. Equilibravam-se como exímios trapezistas, e nunca se soube de acidente entre eles.

...quase tudo que se consumia na casa dos Marianos era cultivado pela família e fabricado em casa mesmo, desde os alimentos de primeira necessidade, até a decoada, extraída da cinza de angico, e que, colocada no azeite de oiticica, tornava-se alvejante de roupas e material de limpeza [...] Todo ano, no dia 24 de junho, Mariano fazia uma fogueira de lenha verde, caprichosamente arrumada na frente da casa e fincava ao lado um galho florido de espirradeira. [...] O fogo crepitava na madeira verde, lançando centelhas que voavam alto e se apagavam como estrela cadente ao descerem. (SOUSA, 2006 p. 25)

Numa vasilha com água, as moças faziam simpatia, colocando brasas incandescentes que giravam até se abraçarem em sinal de que, segundo a crença, davam respostas a seus questionamentos relacionados ao futuro: casamentos e príncipes com os quais sonhavam casar. A fogueira cuspia centelhas, acompanhadas pelos olhares curiosos das crianças, até se desfazerem como foguetes explodindo no ar.

Na mesma época das festas juninas, acontecia também a desmancha de mandioca; então, a casa ficava cheia de gente habituada a lidar em oficina de farinha. Os homens faziam girar uma enorme roda, chamada de bolandeira; prensavam e torravam a farinha. As mulheres raspavam a mandioca e espremiam a massa; enquanto isso, cantavam músicas para aliviarem a fadiga dos movimentos repetitivos. Na pausa dos versos, e em cada mudança de nota musical, faziam, inconscientemente, um exercício de respiração.

O aviamento era um galpão coberto e, em seus esteios, os trabalhadores armavam suas redes para dormirem. Ao amanhecer, pássaros canoros, em alvorada, despertavam os homens para mais um dia de labuta.

Cada um sabia suas atribuições e não esperava ninguém lhe mandar cumprir as tarefas. Antônio Delfina tocava a tropa que conduzia a mandioca da roça até o aviamento. Ele possuía uma égua famosa e um dinheirinho guardado; talvez pensando em casar-se com Antônia, a filha do padrasto.

Em dezembro de 1925, a Coluna Prestes entrou no Piauí. Sabendo por antecipação que os revoltosos aproximavam-se do Rodeador, Delfina escondeu o dinheiro do filho numa almofada e atirou-a ao monturo, porque, por onde passavam os homens que pregavam reformas políticas combatendo o governo do presidente Artur Bernardes, confiscavam suprimentos, animal de montaria e todo o dinheiro da casa.

Seu Antônio tinha apenas 15 anos quando o levante armado aboletou na casa de Mariano Grande. Sua mãe suplicara que não levassem o animal de montaria do filho; ele era órfão de pai e trabalhara duramente para adquirir o animal. Mas ninguém se apiedou das lágrimas de uma pobre mãe... Fizeram Candim montar na égua, em osso, por duas léguas, aproximadamente 12 quilômetros, até a casa de Zé Vicente, um ribeirinho tido como rico. Lá, deram uns tiros para o alto e desincumbiram o cicerone da missão de conduzir a tropa. Muitas horas depois, Candim chegou a casa, suado e fedendo.

- Papai, sangue fede?

- Fede, meu filho. Mas você não está ferido; fez apenas aquele serviço nas calças. Vá tomar um banho e vestir uma roupa limpa.

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DA OBRA:SENDA DE FLORES E ESPINHOS (Adalberto Antônio de Lima)