AMARGAS LEMBRANÇAS
Graziela acordou mais cedo neste domingo. Vestiu trajes esportivos, passou rapidamente um batom nos lábios e, após um frugal café da manhã preparado por sua velha mãe, vagarosamente apanhou na garagem sua blue bike dezoito marchas. Dirigiu-se ao Parque São Lourenço.
O percurso dentro do parque é de quase 1,5 km. Ela percorre este trajeto pelo menos umas dez vezes. Defronte à casa onde ficam os guardas municipais existe um bicicletário. Ali, a moça estaciona sua bicicleta. De mochila nas costas, dirige-se a um dos abrigos reservados às refeições no parque. Senta-se confortavelmente no banco e joga sua mochila sobre a mesa. Olha atentamente os pássaros ao lado da churrasqueira, ciscando farelos de pão. O dia está maravilhoso para brejeirar. Observa os progressos da limpeza do lago, que está sendo efetuada nos dias úteis. Calmamente abre sua mochila e verifica as correspondências que chegaram em sua casa. Em um dos envelopes reconhece a caligrafia de Martinha, sua amiga da pequena cidade do interior onde ela também morou. À medida que vai lendo a carta, grossas lágrimas rolam pelo seu rosto. Entre outras novidades, Martinha comenta o casamento de Roni e Amélia. Roni sempre fora seu grande amor. O rosto de Graziela se transmuda. Triste recordações afloraram em sua mente. Ainda com a carta da amiga na mão, ela faz uma viagem ao passado. Vê a pracinha central, onde todas as noites vários jovens se reuniam e dali iam até o clube dançar e tomar uns refrigerantes. Numa dessas noites, apareceu Roni, que mudara-se de Curitiba para lá. Seu pai, um rico fazendeiro, comprara uma área enorme para a criação de gado.
Ao contrário dos jovens presbiterianos do lugarejo, Roni, adorava beber e fumar. Em pouco tempo, vários rapazes, que até então não tinham esses hábitos, seguiram as pegadas de Roni. Após saírem do clube, pegavam seus veículos e dirigiam-se à prainha, um local destinado a banhos, no belo rio que cortava a cidade.
Roni, em pouco tempo, tornou-se o líder dos jovens daquele lugar. Graziela já estava totalmente apaixonada por ele, mas o rapaz parecia não ter olhos para ela. Aos domingos, ela e Martinha não perdiam as partidas de futebol, nas quais Roni também se destacava. A menina adorava vê-lo de calção. Ele possuía um corpo atlético, muito bonito. Ela fervia de ciúmes ao ver as outras garotas torcendo por ele. De repente, algumas garotas solteiras do lugarejo começaram a aparecer grávidas. Todos já sabiam quem era o responsável, apesar de essas meninas recusarem-se a dizer o nome do pai das crianças.
Foi a pior fase pela qual Graziela passou.
Num daqueles dias, na festa do padroeiro da cidade, houve um grandioso baile, com uma orquestra de São Paulo. Graziela produziu-se da melhor forma possível. Parece ter funcionado, pois, ao som de Emoções, de Roberto Carlos, Roni convidou-a para dançar. Houve rápida identificação entre ambos e, após um romance que durou oito meses, acabaram ficando noivos. Roni demonstrava estar verdadeiramente apaixonado por ela.
Uma noite, Martinha, Amélia e Graziela foram convidadas por Roni para irem a um baile numa cidade vizinha. Na volta, Roni, totalmente embriagado, causa um acidente com seu veículo. Apesar de os outros saírem feridos levemente, somente Graziela foi hospitalizada. Embora o dinheiro do pai de Roni tenha comprado o silêncio das autoridades, o rapaz desapareceu da cidade alguns dias após o acidente. Voltou para lá somente depois de saber que Graziela tinha ido morar em Curitiba.
Um belo pequinês faz Graziela voltar à realidade. Enxuga algumas lágrimas, olha as horas, guarda as correspondências e, um pouco trôpega, sobe em sua bicicleta. Ela ainda tinha uma certa dificuldade para andar com suas novas pernas protéticas.
25/2/2008 21:08:09