Guerra das Toninhas
20 de Agosto de 1918
A batalha de hoje me fez pensar em escrever um diário. Um submarino alemão tentou afundar o Belmonte. Foi uma putaria só. Acostumados com o trabalho árduo no navio e a calmaria constante, não prevíamos um ataque, apesar de estarmos em guerra. Ai quando alguém gritou: “Puta que o pariu, lá vem torpedo!” eu pensei: “Fudeu.” A sirene de alerta começou a tocar alto. Cada um correndo pra um lado. “Todos a seus postos!” gritava um doido correndo pro lado e pro outro “Todos a seus postos!” e se escondeu dentro dum dos botes salva-vidas. Eu também tava desesperado quando me mandaram carregar o canhão. Enquanto tentávamos por a bala dentro o navio sacudiu forte. Pedro falou: “Ai Jesus! Morri!” como se fosse algo natural. O barulho dos canhões fez todos se silenciarem. Desligaram a sirene e alguém gritou em satisfação: “Mandamos os filhos da puta pra puta que o pariu!” e todos gritaram em alegria, mesmo sabendo que nunca vimos os destroços do submarino ou se quer o torpedo. Os danos no Belmonte foram mínimos, somente vômitos e um banco do barco salva-vidas quebrado.
26 de Agosto de 1918
A gripe espanhola matou Pedro. E eu disse a ele que aquela prostituta em Freetown estava barata demais. As porras de três outros navios da nossa divisão pararam além das baixas pela gripe. Pelo menos não esperamos batalha em Cabo Verde, pelo menos eu rezo para isso. Os ingleses falaram que sumiu um submarino alemão naquela rota onde passamos. Gosto de pensar que o afundamos, tenho quase certeza. Essa noite o samba foi triste. O Gaúcho arrumou umas carnes e improvisou um churrasco para nós. Eu queria muito uma cerveja.
29 de Agosto de 1918
Os ingleses mandaram a gente proteger o estreito do Gibraltar. Avisaram ainda que um submarino alemão afundou um dos navios deles que iria nos ajudar. Eu quase me caguei todo. Puta que o pariu, já foi uma merda aquele outro, imagine esse que já afundou um? Tomar no cu daqueles ingleses! Cacete, por que diabos queríamos entrar em guerra com essa merda?
2 de Novembro de 1918
Eu tremia com o vento frio do convéns quando vi um periscópio no mar perto da gente. Corri gritando e apontando para o submarino: “Submarino! Alemão!” Preparamos todas as armas. Olhamos firme para o periscópio que parecia não nos ver e abrimos fogo. Conforme as balas batiam na água ela subia em uma explosão vermelha. Quanto mais atirávamos mais a água ficava vermelha. Consegui ver tripas flutuando e pedaços de carne. Admirava tudo aquilo quando alguém me perguntou: “E submarino sangra?” Eu pensei um pouco e respondi: “Não sei não, vai ver tinha muito alemão lá dentro.” O mar ficou vermelho aquele dia de tanto sangue. Foi quando nós ouvimos o grito de socorro dos alemães. Era estranho, quase como focas. Alguém correu pelo navio gritando para cessar o fogo. “São Toninhas porra!” gritava. Eu pensei “Toni o que?” Mais tarde soube que bombardeamos e matamos mais de duas mil Toninhas. Bombardeamos a desgraça de um cardume de peixes...
5 de Novembro de 1918
Avistamos um submarino hoje. Dessa vez estávamos com raiva e não medo. Cacete! Matamos duas mil Toninhas que são bonitinhas, imagina que faremos com os alemães feios que só a porra?! Chorei um pouco diante dessa afirmação, puta que pariu, que estamos fazendo aqui? O Piauí atirou diversas vezes contra o submarino, quando ouvimos pelo radio aquele sotaque americano: “Somos americanos!” E eu pensei: “Por que diabos estariam num navio tão pequeno?! Desgraçados, nos dando susto!” E ainda voltou uma voz pelo radio: “Mother fucking brazilians. Damn idiots!” Até hoje procura saber o que os americanos queriam dizer com isso.
11 de Novembro de 1918
Alguém me disse que acabou a guerra. Todos ficaram felizes. Cantamos e batucamos até ficarmos cansados. Finalmente posso sair dessa merda de lugar e voltar pra minha casa. Mas antes os ingleses nos chamaram para passar pelo país deles. É bom que trarei até uma lembrancinha. Vamos ainda nesse navio maldito... que se cuidem as Toninhas!