A Vida
25 de agosto de 1985
Já passava das sete, quando o professor entrou na sala de aula. Estávamos todos falando alto e, como era de costume, nem nos preocupamos em sentar, afinal era, aos nossos olhos, uma das piores aulas, com muito conteúdo e de uma profundidade que não nos interessava.
A faixa etária era bem desproporcional, ía dos 13 aos 30 anos, marcada por uma convivência confusa e cheia de conflitos de interesses. Os mais jovens com seu dinamismo e sua rebeldia, e os mais velhos com valores um pouco mais definidos. Mas, todos pareciam estar ali por acaso.
O Sr. Fernandes era um homem alto, com feições fortes e com fala mansa. Aparentava ter mais ou menos 50 anos e uma paciência gigantesca. Havia ensinado filosofia em várias escolas renomadas e com êxito, de dar inveja a outros professores. Nos corredores falam dele com respeito, outros com despeito e outros até colocam sua masculinidade em dúvida. Isso é muito comum em qualquer ambiente, basta um homem ou uma mulher fugir um pouco dos ditames da sociedade que logo é gay ou louco, o que para algumas pessoas é a mesma coisa.
Todos já estavam sentados quando alguém do fundo da sala perguntou:
_ Professor, o que vamos aprender hoje? Espero que não seja nada que alguém tenha falado ou pensado. Seria bom, pelo menos uma vez, alguma coisa inédita.
O professor levantou-se bem divagar, sentou-se no canto da mesa como era de costume e falou generosamente:
_ Bom dia ! Como vai Sr. Gustavo? - todos riram _ É muito bom chegar e ser surpreendido com perguntas, mostra interesse, necessidade de aprender e o melhor, mostra que estão vivos. - O riso foi contagioso, mas o professor continuou - _ Respondendo a pergunta do nosso colega, vamos aprender não só hoje, mas em todo semestre sobre ”vida”. Sinto muito em informar que alguém já tomou a nossa frente, no que se refere a este assunto. Que droga! Nós sempre chegamos atrasados! - ironizou com um sorrisinho maroto.
_ Vamos começar fazendo um apanhado geral de definições. Digam-me qual é o seu conceito de “vida”? - perguntou Sr. Fernandes, enquanto fitava a turma.
Meia dúzia de alunos levantou o braço, e,um a um, foi falando:
_ Bem... Para mim vida é tudo. - falou a loirinha, segurando a pontas dos cabelos.
_ Eu acho a minha vida um saco. - resmungou Felipe (vulgo bolha).
_ Vida é o que Deus nos dá, quando nascemos. - falou umas das vozes, logo atropelada por outra e mais outra...
_ Como viram existe várias maneiras de encarar a vida, mas tem algo mais por trás de tudo isso que vocês falaram e nem o que foi pensado consegue abranger esse infinito assunto. Por isso gostaria que agora vocês fechassem os olhos por alguns instantes, e pensassem a respeito das suas vidas. Como ela se encaixa com a vida dos outros e por fim como vocês acham que ela se manifesta. Falou o mestre, quase que num fôlego só...
Permaneceram todos em silêncio, o que era quase impossível acontecer... Tendo em vista 'aquela' turma, cada um mergulhado em seu mundinho cheio de dúvidas, lembranças e medos.
O sinal tocou, avisando o término da aula. Parecia que todos tinham sido arrancados de uma conversa muito interessante. O professor sorriu e disse:
_ Lembrem-se continuem pensando ,temos o semestre inteiro. - Saindo apressado.
31 de agosto de 1985
A semana passou depressa, cheia de afazeres e pensamentos. É incrível como nos surpreendemos pensando em coisas que pareciam nem um pouco interessante. Fui imaginando o que dizer, se acaso surpreso por uma pergunta . Não saberia o que falar, afinal , vida é vida! E pronto!
Sr. Fernandes já estava na sala, quando eu entrei. Olhou-me de cima a baixo e perguntou:
_ Pensou sobre o assunto em pauta?
Foi como uma facada. Mal havia entrado... O que ele queria, um resumo do semestre...?!
Nem sei direito o que respondi. Acredito que tenha sido algo como:
_ Sim Senhor! Não Senhor! Quer dizer... Pensei muito, mas deu branco e eu esqueci tudo.
Gostaria que estivessem lá para ver a reação de todos. Pensando bem acho que não. Foi uma cena patética.
Sr. Fernandes fez questão de ironizar, dizendo:- Muito bem, Sr. Gustavo! Temos aqui um belo começo para sua tese.
Fiquei envergonhado, pela primeira vez, na minha vida, importei-me com o que alguém pensava a meu respeito. Se tivesse ocorrido algumas semanas antes, eu revidaria com meia dúzia de palavras debochas. Aquilo me assustou...
A aula ocorreu normalmente. Aquele homem sabia como prender a atenção da turma. É como se soubesse o que cada um iria dizer no minuto seguinte. Era espantosa a maneira como se interessava realmente pelo assunto. E mais espantoso ainda era o meu súbito e inquietante... Deslumbre.
Fechamos os olhos durante alguns minutos, respiramos lentamente e ficamos pensando sobre vários assuntos. Uma sensação de paz me invadia. Era interessante o fato de estar entrando em contato com vários pensamentos e com diferentes maneiras de encará-los. Naquele momento meu vizinho não parecia tão chato ao pedir para que diminuísse o volume do som.. A garota do segundo andar, não era assim tão feia... E eu já não estava tão certo de que lado estavam as razões do mundo...
Todas as aulas ocorreram de maneira semelhante. Ora dentro de sala, ora fora. Mas com a mesma intensidade. Meus interesses já não eram os mesmos e as mudanças de comportamento saltavam aos olhos de todos.
O semestre passara de pressa, e já era hora de entregar o trabalho final. Todos haviam terminado, exceto eu. Não imaginei que seria tão difícil, faltavam alguns minutos e não conseguia escrever nenhuma palavra. Foi então que fechei os olhos e me perguntei qual seria a minha melhor definição para vida e escrevi.
Sr. Fernandes recolheu e passou os olhos em todos os trabalhos. É bom dizer... Que todos estavam emcapados e bastantes volumosos com seus anexos e gráficos complementares. Foi quando chegou a vez do meu. O professor olhou aquelas linhas escritas às pressas levantou a folha à altura da cabeça, fitou-me e sacudiu-a lentamente. Não entendi nada, aquilo era bom ou ruim, meu Deus! Quase morri.
Soube que todos haviam se formado naquele ano, inclusive eu.
25 de agosto de 2005
Não sei bem ao certo, porque estou pensando nisso tudo, agora. Acho que essa palestra está mexendo comigo. Depois de vinte anos, ouvir alguém falar sobre “vida”, deixou-me, um pouco, saudosista.
_ Com licença!- Alguém falou ao sentar-se ao meu lado. Tirando-me do meu eterno refúgio. Ainda bem, a palestra iria começar e eu mergulhado nos meus pensamentos. Devo acrescentar que hoje sou professor de filosofia. Quem diria...
Entrou no auditório uma figura conhecida para minha surpresa. Aproximou-se calmamente, testou o microfone e disse: _ Boa noite a todos. É um enorme prazer estar aqui e compartilhar desse sentimento de alegria, com vocês nobres colegas. O assunto em pauta é “vida”.
Mal podia acreditar em meus olhos. Nunca poderia imaginar que o palestrante seria o Sr. Fernandes, meu mestre. Estava mais velho, também passaram-se anos, desde...
Ele olhou em minha direção e continuou: _ Como não poderia ser diferente, alguém nos passou a perna e já falou sobre isso. Que droga! Atrasado novamente. - Todos riram. _ Bem para começar eu gostaria de ler algumas linhas que recebi de um aluno, alguns anos atrás, que diz o seguinte, abre aspas: "Vida sou eu , vida é o outro e o que fazemos conosco". _ Fecha aspas. _ Não vi , até então, nenhuma outra definição que conseguisse expressar a simplicidade e a profundidade desse assunto tão interessante e cheio de lacunas. Mas... Tenho certeza... - Um sorriso - ... Que devemos, nesse momento, fechar os olhos, respirar lentamente e, então, encontrar um complemento para essa definição. Pois, acreditem, sempre podemos melhorar o que já é perfeito. E esse é o legado que devemos deixar para gerações futuras. Obrigado!.
E eu?!... Fechei os olhos.
25 de agosto de 1985
Já passava das sete, quando o professor entrou na sala de aula. Estávamos todos falando alto e, como era de costume, nem nos preocupamos em sentar, afinal era, aos nossos olhos, uma das piores aulas, com muito conteúdo e de uma profundidade que não nos interessava.
A faixa etária era bem desproporcional, ía dos 13 aos 30 anos, marcada por uma convivência confusa e cheia de conflitos de interesses. Os mais jovens com seu dinamismo e sua rebeldia, e os mais velhos com valores um pouco mais definidos. Mas, todos pareciam estar ali por acaso.
O Sr. Fernandes era um homem alto, com feições fortes e com fala mansa. Aparentava ter mais ou menos 50 anos e uma paciência gigantesca. Havia ensinado filosofia em várias escolas renomadas e com êxito, de dar inveja a outros professores. Nos corredores falam dele com respeito, outros com despeito e outros até colocam sua masculinidade em dúvida. Isso é muito comum em qualquer ambiente, basta um homem ou uma mulher fugir um pouco dos ditames da sociedade que logo é gay ou louco, o que para algumas pessoas é a mesma coisa.
Todos já estavam sentados quando alguém do fundo da sala perguntou:
_ Professor, o que vamos aprender hoje? Espero que não seja nada que alguém tenha falado ou pensado. Seria bom, pelo menos uma vez, alguma coisa inédita.
O professor levantou-se bem divagar, sentou-se no canto da mesa como era de costume e falou generosamente:
_ Bom dia ! Como vai Sr. Gustavo? - todos riram _ É muito bom chegar e ser surpreendido com perguntas, mostra interesse, necessidade de aprender e o melhor, mostra que estão vivos. - O riso foi contagioso, mas o professor continuou - _ Respondendo a pergunta do nosso colega, vamos aprender não só hoje, mas em todo semestre sobre ”vida”. Sinto muito em informar que alguém já tomou a nossa frente, no que se refere a este assunto. Que droga! Nós sempre chegamos atrasados! - ironizou com um sorrisinho maroto.
_ Vamos começar fazendo um apanhado geral de definições. Digam-me qual é o seu conceito de “vida”? - perguntou Sr. Fernandes, enquanto fitava a turma.
Meia dúzia de alunos levantou o braço, e,um a um, foi falando:
_ Bem... Para mim vida é tudo. - falou a loirinha, segurando a pontas dos cabelos.
_ Eu acho a minha vida um saco. - resmungou Felipe (vulgo bolha).
_ Vida é o que Deus nos dá, quando nascemos. - falou umas das vozes, logo atropelada por outra e mais outra...
_ Como viram existe várias maneiras de encarar a vida, mas tem algo mais por trás de tudo isso que vocês falaram e nem o que foi pensado consegue abranger esse infinito assunto. Por isso gostaria que agora vocês fechassem os olhos por alguns instantes, e pensassem a respeito das suas vidas. Como ela se encaixa com a vida dos outros e por fim como vocês acham que ela se manifesta. Falou o mestre, quase que num fôlego só...
Permaneceram todos em silêncio, o que era quase impossível acontecer... Tendo em vista 'aquela' turma, cada um mergulhado em seu mundinho cheio de dúvidas, lembranças e medos.
O sinal tocou, avisando o término da aula. Parecia que todos tinham sido arrancados de uma conversa muito interessante. O professor sorriu e disse:
_ Lembrem-se continuem pensando ,temos o semestre inteiro. - Saindo apressado.
31 de agosto de 1985
A semana passou depressa, cheia de afazeres e pensamentos. É incrível como nos surpreendemos pensando em coisas que pareciam nem um pouco interessante. Fui imaginando o que dizer, se acaso surpreso por uma pergunta . Não saberia o que falar, afinal , vida é vida! E pronto!
Sr. Fernandes já estava na sala, quando eu entrei. Olhou-me de cima a baixo e perguntou:
_ Pensou sobre o assunto em pauta?
Foi como uma facada. Mal havia entrado... O que ele queria, um resumo do semestre...?!
Nem sei direito o que respondi. Acredito que tenha sido algo como:
_ Sim Senhor! Não Senhor! Quer dizer... Pensei muito, mas deu branco e eu esqueci tudo.
Gostaria que estivessem lá para ver a reação de todos. Pensando bem acho que não. Foi uma cena patética.
Sr. Fernandes fez questão de ironizar, dizendo:- Muito bem, Sr. Gustavo! Temos aqui um belo começo para sua tese.
Fiquei envergonhado, pela primeira vez, na minha vida, importei-me com o que alguém pensava a meu respeito. Se tivesse ocorrido algumas semanas antes, eu revidaria com meia dúzia de palavras debochas. Aquilo me assustou...
A aula ocorreu normalmente. Aquele homem sabia como prender a atenção da turma. É como se soubesse o que cada um iria dizer no minuto seguinte. Era espantosa a maneira como se interessava realmente pelo assunto. E mais espantoso ainda era o meu súbito e inquietante... Deslumbre.
Fechamos os olhos durante alguns minutos, respiramos lentamente e ficamos pensando sobre vários assuntos. Uma sensação de paz me invadia. Era interessante o fato de estar entrando em contato com vários pensamentos e com diferentes maneiras de encará-los. Naquele momento meu vizinho não parecia tão chato ao pedir para que diminuísse o volume do som.. A garota do segundo andar, não era assim tão feia... E eu já não estava tão certo de que lado estavam as razões do mundo...
Todas as aulas ocorreram de maneira semelhante. Ora dentro de sala, ora fora. Mas com a mesma intensidade. Meus interesses já não eram os mesmos e as mudanças de comportamento saltavam aos olhos de todos.
O semestre passara de pressa, e já era hora de entregar o trabalho final. Todos haviam terminado, exceto eu. Não imaginei que seria tão difícil, faltavam alguns minutos e não conseguia escrever nenhuma palavra. Foi então que fechei os olhos e me perguntei qual seria a minha melhor definição para vida e escrevi.
Sr. Fernandes recolheu e passou os olhos em todos os trabalhos. É bom dizer... Que todos estavam emcapados e bastantes volumosos com seus anexos e gráficos complementares. Foi quando chegou a vez do meu. O professor olhou aquelas linhas escritas às pressas levantou a folha à altura da cabeça, fitou-me e sacudiu-a lentamente. Não entendi nada, aquilo era bom ou ruim, meu Deus! Quase morri.
Soube que todos haviam se formado naquele ano, inclusive eu.
25 de agosto de 2005
Não sei bem ao certo, porque estou pensando nisso tudo, agora. Acho que essa palestra está mexendo comigo. Depois de vinte anos, ouvir alguém falar sobre “vida”, deixou-me, um pouco, saudosista.
_ Com licença!- Alguém falou ao sentar-se ao meu lado. Tirando-me do meu eterno refúgio. Ainda bem, a palestra iria começar e eu mergulhado nos meus pensamentos. Devo acrescentar que hoje sou professor de filosofia. Quem diria...
Entrou no auditório uma figura conhecida para minha surpresa. Aproximou-se calmamente, testou o microfone e disse: _ Boa noite a todos. É um enorme prazer estar aqui e compartilhar desse sentimento de alegria, com vocês nobres colegas. O assunto em pauta é “vida”.
Mal podia acreditar em meus olhos. Nunca poderia imaginar que o palestrante seria o Sr. Fernandes, meu mestre. Estava mais velho, também passaram-se anos, desde...
Ele olhou em minha direção e continuou: _ Como não poderia ser diferente, alguém nos passou a perna e já falou sobre isso. Que droga! Atrasado novamente. - Todos riram. _ Bem para começar eu gostaria de ler algumas linhas que recebi de um aluno, alguns anos atrás, que diz o seguinte, abre aspas: "Vida sou eu , vida é o outro e o que fazemos conosco". _ Fecha aspas. _ Não vi , até então, nenhuma outra definição que conseguisse expressar a simplicidade e a profundidade desse assunto tão interessante e cheio de lacunas. Mas... Tenho certeza... - Um sorriso - ... Que devemos, nesse momento, fechar os olhos, respirar lentamente e, então, encontrar um complemento para essa definição. Pois, acreditem, sempre podemos melhorar o que já é perfeito. E esse é o legado que devemos deixar para gerações futuras. Obrigado!.
E eu?!... Fechei os olhos.