Era só um menino
Era só um menino, mas sabia como poucos entender o coração daquele velho. Quando saíam a caminhar, segurava com firmeza a mão que anos antes apertava a dele. Agora era quem vigiava para que não se ferisse, quem levava para passear na praça, quem comprava pipoca para alimentar os pombos e espreitava o melhor horário para o banho de sol.
E conversava. Ah, como conversava. Conhecia todos os assuntos capazes de iluminar os olhos cansados. Lembrava das aventuras contadas dos áureos tempos de mochileiro, das cidades escarafunchadas nas férias, dos amores de juventude. Conseguia faze-lo sorrir, rindo ele mesmo, das peripécias rememoradas com a graça perfeita de um contador de histórias.
E cantava muito bem. Começava só cantarolando, depois lentamente movimentava os braços e dava início a um bailado suave sem tirar os pés do chão. Seguia assim até o velho começar a cantar. Aí marcava o ritmo com os pés e completava cada frase esquecida, sem deixar uma lacuna que prejudicasse o encanto da música. Em dias de céu escuro sentava o velho na cadeira de balanço da varanda, cobria-lhe as pernas com uma manta colorida tecida há anos pela avó, desencavava pilhas de long-plays da estante da sala, livros, revistas e ligava a antiga vitrola. Convidava com seu sorriso largo: “Vamos viajar pela Itália?” Ficava horas trocando discos, cantarolando e passeando em companhia do avô por paisagens magníficas.
E era matreiro. Reconhecia o cansaço pelo tom de voz e aí dizia bocejando: “Acho que preciso cochilar um pouco. Importa-se de eu deitar na rede? Prometo que não vou dormir toda a vida”. Como quem não quer nada, ajeitava a manta até os ombros frágeis e colocava um disco mais suave. E lá da rede, com o rabo do olho, vigiava até ouvir o ressonar tranqüilo, e só aí, levantava e ia tomar conta de sua vida, como dizia o irmão mais velho.
Sabia delegar poderes. Nas horas passadas na escola contava com Jayme, um pequeno vira–lata marrom acobreado. Ensinara levar o chinelo, entregar o jornal, vigiar à porta do banheiro, impedir tropeços com latidos de alerta e incentivar a comer empurrando o prato com o focinho. Tudo isso com porte de mordomo canino.
Psicólogo nato chegava sempre assobiando e ia logo perguntando feliz: “Quais são as novidades de hoje? Quem ganhou o jogo? Que filme vai passar na sessão da tarde?” Depois de cada resposta esticava o assunto exercitando a memória enfraquecida com sabedoria nada infantil. Aproveitava para contar suas descobertas escolares, e as peripécias de seus heróis universais enquanto trocava de roupa, almoçava e se preparava para seu turno de cuidados.
E era conselheiro espiritual. “Fica triste não, amanhã é outro dia e tudo pode estar diferente”. “Hoje vamos festejar o sol, agradecer por essa amoreira carregadinha e pedir perdão pela gula”. “Veja que céu tão lindo, só Deus mesmo para dar de presente um dia assim para um povo briguento e alguns velhinhos ranzinzas”. “Quando dizemos adeus à vida é como se viajássemos para a China; é longe, mas um dia nossos parentes vão nos visitar”. “Acho que somos como lagartas que viram borboletas. Vamos rezar para virarmos Anjos!”
Era só um menino, que se despediu com um simples “Até breve, vá com Deus” sem lágrimas ou desesperos desnecessários.
Era só um menino, mas sabia como poucos entender o coração daquele velho. Quando saíam a caminhar, segurava com firmeza a mão que anos antes apertava a dele. Agora era quem vigiava para que não se ferisse, quem levava para passear na praça, quem comprava pipoca para alimentar os pombos e espreitava o melhor horário para o banho de sol.
E conversava. Ah, como conversava. Conhecia todos os assuntos capazes de iluminar os olhos cansados. Lembrava das aventuras contadas dos áureos tempos de mochileiro, das cidades escarafunchadas nas férias, dos amores de juventude. Conseguia faze-lo sorrir, rindo ele mesmo, das peripécias rememoradas com a graça perfeita de um contador de histórias.
E cantava muito bem. Começava só cantarolando, depois lentamente movimentava os braços e dava início a um bailado suave sem tirar os pés do chão. Seguia assim até o velho começar a cantar. Aí marcava o ritmo com os pés e completava cada frase esquecida, sem deixar uma lacuna que prejudicasse o encanto da música. Em dias de céu escuro sentava o velho na cadeira de balanço da varanda, cobria-lhe as pernas com uma manta colorida tecida há anos pela avó, desencavava pilhas de long-plays da estante da sala, livros, revistas e ligava a antiga vitrola. Convidava com seu sorriso largo: “Vamos viajar pela Itália?” Ficava horas trocando discos, cantarolando e passeando em companhia do avô por paisagens magníficas.
E era matreiro. Reconhecia o cansaço pelo tom de voz e aí dizia bocejando: “Acho que preciso cochilar um pouco. Importa-se de eu deitar na rede? Prometo que não vou dormir toda a vida”. Como quem não quer nada, ajeitava a manta até os ombros frágeis e colocava um disco mais suave. E lá da rede, com o rabo do olho, vigiava até ouvir o ressonar tranqüilo, e só aí, levantava e ia tomar conta de sua vida, como dizia o irmão mais velho.
Sabia delegar poderes. Nas horas passadas na escola contava com Jayme, um pequeno vira–lata marrom acobreado. Ensinara levar o chinelo, entregar o jornal, vigiar à porta do banheiro, impedir tropeços com latidos de alerta e incentivar a comer empurrando o prato com o focinho. Tudo isso com porte de mordomo canino.
Psicólogo nato chegava sempre assobiando e ia logo perguntando feliz: “Quais são as novidades de hoje? Quem ganhou o jogo? Que filme vai passar na sessão da tarde?” Depois de cada resposta esticava o assunto exercitando a memória enfraquecida com sabedoria nada infantil. Aproveitava para contar suas descobertas escolares, e as peripécias de seus heróis universais enquanto trocava de roupa, almoçava e se preparava para seu turno de cuidados.
E era conselheiro espiritual. “Fica triste não, amanhã é outro dia e tudo pode estar diferente”. “Hoje vamos festejar o sol, agradecer por essa amoreira carregadinha e pedir perdão pela gula”. “Veja que céu tão lindo, só Deus mesmo para dar de presente um dia assim para um povo briguento e alguns velhinhos ranzinzas”. “Quando dizemos adeus à vida é como se viajássemos para a China; é longe, mas um dia nossos parentes vão nos visitar”. “Acho que somos como lagartas que viram borboletas. Vamos rezar para virarmos Anjos!”
Era só um menino, que se despediu com um simples “Até breve, vá com Deus” sem lágrimas ou desesperos desnecessários.