A ROCHA
Era sólido como uma rocha ou como ferro forjado a fogo. O olhar firme, raciocínio rápido, fala fácil e a expressão facial marcada a sulcos vigorosos, davam-lhe um ar de figura paterna ou de preceptor. Fizera milhares de leituras: lera clássicos, neoclássicos, não-clássicos... Conhecia os mais variados pensamentos e teorias e a todos interpretava com sabedoria.
As pessoas que no passado o humilharam, machucaram, jamais souberam o que de fato fizeram. Ainda que suas intenções fossem tão-somente fazê-lo sofrer, sem querer elas o fortaleceram e o prepararam para enfrentar as dificuldades que se lhe apresentaram em seu caminho. Aprendera a aprender e a fazer do seu aprendizado o mote da sua relação com os outros e com o mundo. Transformara-se numa espécie de guru de muita gente. Seu carisma atraía, hipnotizava, acalmava e excitava, como um simulacro do processo vital.
As feridas que sofrera se fecharam, ao contrário de outros que as tiveram nas mesmas proporções, ou até menores, mas que se tornaram crônicas. Ficaram as cicatrizes – umas visíveis, outras nem tanto – lembranças lúgubres que ninguém tinha dúvida de que o acompanhariam para sempre. Eram verdadeiros troféus de um vencedor de agruras que agora colocava toda a sua experiência para ajudar outros a vencerem as suas próprias fragosidades.
Certa madrugada – alta madrugada – estourou o silêncio de Morfeu com um tiro de revólver na própria cabeça. Dizem que não se matou por fraqueza, mas porque estava entediado com a debilidade irreversível daqueles que o rodeavam...