CINE SONHO
Cine Sonho
Fim de semana chuvoso. Água que Deus mandava. O programa com os amigos furou, televisão, nem pensar, não estava a fim. Quando saía da sala em direção à varanda para dar mais uma espiadinha no tempo, encontrei com vovô que fazia o trajeto inverso, voltava da varanda.
- Bença, vô.
- Deus te abençoe, filho... Dia feio, heim?
- É... Tá ferrado.
- Que tal uma prosa, já que não dá para sair mesmo?
Vovô tinha razão, sair com aquele tempo!
- Quando chovia assim, desse jeito, o que o senhor fazia, principalmente sendo domingo?
Vovô me olhou, soltou um baita suspiro e parecendo pensar em alguma coisa que ficou lá para traz, respondeu:
- Ficava jururu, feito bicho enjaulado, assim como você está agora.
Pô... Era tão evidente assim minha insatisfação com São Pedro?
- E quando não chovia, vô, o que dava para curtir num domingão?
- Cine São João.
- Como?
- É filho, as matinês de domingo, logo depois do almoço, depois da macarronada engolida às pressas para não perder a hora.
- Calma, vô. Conta essa história que estou achando um barato.
- É, filho, no meu tempo de garoto não tinha shopping, balada, essas coisas que vocês curtem. Nossa brincadeira aqui na vila era jogar bola na rua, carrinho de rolimã. Domingo, logo cedo a gente ia para o Campo do Triângulo.
- Triângulo?
- É, Triângulo, ficava lá onde está aquela escola, acho que se chama João Pinheiro. Tinham boas partidas de futebol, bem disputadas... Certo que ás vezes saía briga, mas era só empurra- empurra, corre-corre não tinha a violência de agora.
- E depois, acabava o domingo.
- Imagina, agora é que vinha a parte boa. Eu corria para a casa, tomava um belo banho... de canequinha, é claro.
- Canequinha?
- É, chuveiro desse modernoso de hoje, demorou muito para seu bisavô comprar. Era água de poço mesmo, tirada no sarilho.
- Pô! Canequinha , agora sarilho, isso tem no dicionário.
- Lógico que tem, só se o dicionário for muito ruim.
- Tá, vô, depois eu olho o dicionário, mas e depois do banho?
- Banho tomado, gumex no cabelo.... Calma! Depois você olha na Internet e descobre o que é gumex. Saiamos apressados! É, saíamos eu e os colegas, vizinhos que moravam bem em frente a minha casa. Quase correndo chegávamos ao Cine São João, ali na praça. Você não deve saber de que praça estou falando nem onde ficava o Cine São João. Eu explico. O cinema era no prédio que depois virou danceteria, a Toco, e agora é um bingo, ali ficava o imponente Cine São João. Na fila aguardávamos chegar à bilheteria e, após comprar ingresso, lá íamos nós para a sala de espetáculo. O primeiro filme começava e junto nossos corações disparavam aos solavancos a cada peripécia do mocinho ou parávamos de respirar no suspense que parecia não ter fim. Por vezes, quase engasgávamos as gargalhadas com alguma cena mais engraçada e, ao final do filme, confundíamo-nos com as personagens. Agora, a hora mais esperada, uma corrida ao banheiro e depois à bomboniere. Quantas balas de goma, chocolate diamante negro e as fantásticas pipocas americanas. Voltar correndo ao lugar para não perder o seriado. É, filho, passava dois filmes e no intervalo, depois do primeiro filme tinha o Jornal 100 que para nós pouco interessava. Falava de um tal de Jânio que brigava com um tal de Ademar, que iam fundar Brasília, hoje só afundam, falavam também de generais que prendiam e torturavam, a gente ficava com medo. Vai que eu torço para o bandido e um desses generais me tortura. Mas aí começavam os seriados: Roy Rogers e seu cavalo Trigger, Zorro seu amigo Tonto e Silver, mas meu preferido mesmo era o Flash Gordon com suas viagens interplanetárias, quantos monstros derrotados. Ah! Cine São João, uma máquina de aventuras que embalou os sonhos de tantos meninos como eu que vivia aqui na Vila, uma Vila de gente simples, trabalhadora, cheia de vida e recordações. Ah, as matinês, Zorro, Tonto, Flash Gordon...hum...!
- Chi !!! Vovô dormiu... e pelo sorriso em seu rosto deve esta viajando nas aventuras de Flash Gordon... Aiooouuuu! Silver!!!
Cine Sonho
Fim de semana chuvoso. Água que Deus mandava. O programa com os amigos furou, televisão, nem pensar, não estava a fim. Quando saía da sala em direção à varanda para dar mais uma espiadinha no tempo, encontrei com vovô que fazia o trajeto inverso, voltava da varanda.
- Bença, vô.
- Deus te abençoe, filho... Dia feio, heim?
- É... Tá ferrado.
- Que tal uma prosa, já que não dá para sair mesmo?
Vovô tinha razão, sair com aquele tempo!
- Quando chovia assim, desse jeito, o que o senhor fazia, principalmente sendo domingo?
Vovô me olhou, soltou um baita suspiro e parecendo pensar em alguma coisa que ficou lá para traz, respondeu:
- Ficava jururu, feito bicho enjaulado, assim como você está agora.
Pô... Era tão evidente assim minha insatisfação com São Pedro?
- E quando não chovia, vô, o que dava para curtir num domingão?
- Cine São João.
- Como?
- É filho, as matinês de domingo, logo depois do almoço, depois da macarronada engolida às pressas para não perder a hora.
- Calma, vô. Conta essa história que estou achando um barato.
- É, filho, no meu tempo de garoto não tinha shopping, balada, essas coisas que vocês curtem. Nossa brincadeira aqui na vila era jogar bola na rua, carrinho de rolimã. Domingo, logo cedo a gente ia para o Campo do Triângulo.
- Triângulo?
- É, Triângulo, ficava lá onde está aquela escola, acho que se chama João Pinheiro. Tinham boas partidas de futebol, bem disputadas... Certo que ás vezes saía briga, mas era só empurra- empurra, corre-corre não tinha a violência de agora.
- E depois, acabava o domingo.
- Imagina, agora é que vinha a parte boa. Eu corria para a casa, tomava um belo banho... de canequinha, é claro.
- Canequinha?
- É, chuveiro desse modernoso de hoje, demorou muito para seu bisavô comprar. Era água de poço mesmo, tirada no sarilho.
- Pô! Canequinha , agora sarilho, isso tem no dicionário.
- Lógico que tem, só se o dicionário for muito ruim.
- Tá, vô, depois eu olho o dicionário, mas e depois do banho?
- Banho tomado, gumex no cabelo.... Calma! Depois você olha na Internet e descobre o que é gumex. Saiamos apressados! É, saíamos eu e os colegas, vizinhos que moravam bem em frente a minha casa. Quase correndo chegávamos ao Cine São João, ali na praça. Você não deve saber de que praça estou falando nem onde ficava o Cine São João. Eu explico. O cinema era no prédio que depois virou danceteria, a Toco, e agora é um bingo, ali ficava o imponente Cine São João. Na fila aguardávamos chegar à bilheteria e, após comprar ingresso, lá íamos nós para a sala de espetáculo. O primeiro filme começava e junto nossos corações disparavam aos solavancos a cada peripécia do mocinho ou parávamos de respirar no suspense que parecia não ter fim. Por vezes, quase engasgávamos as gargalhadas com alguma cena mais engraçada e, ao final do filme, confundíamo-nos com as personagens. Agora, a hora mais esperada, uma corrida ao banheiro e depois à bomboniere. Quantas balas de goma, chocolate diamante negro e as fantásticas pipocas americanas. Voltar correndo ao lugar para não perder o seriado. É, filho, passava dois filmes e no intervalo, depois do primeiro filme tinha o Jornal 100 que para nós pouco interessava. Falava de um tal de Jânio que brigava com um tal de Ademar, que iam fundar Brasília, hoje só afundam, falavam também de generais que prendiam e torturavam, a gente ficava com medo. Vai que eu torço para o bandido e um desses generais me tortura. Mas aí começavam os seriados: Roy Rogers e seu cavalo Trigger, Zorro seu amigo Tonto e Silver, mas meu preferido mesmo era o Flash Gordon com suas viagens interplanetárias, quantos monstros derrotados. Ah! Cine São João, uma máquina de aventuras que embalou os sonhos de tantos meninos como eu que vivia aqui na Vila, uma Vila de gente simples, trabalhadora, cheia de vida e recordações. Ah, as matinês, Zorro, Tonto, Flash Gordon...hum...!
- Chi !!! Vovô dormiu... e pelo sorriso em seu rosto deve esta viajando nas aventuras de Flash Gordon... Aiooouuuu! Silver!!!