Três microcontos

MENINO E CÃO

in memoriam D.L.

- Pai, paiê, ppapaiê! - Dimitri gritava e Pancho I latia e pulava em torno dele, a boca procurando uma bolacha na mãozinha que se abria e fechava no chamado.

Eu fingia não ouvir forçando a minha atenção na leitura.

- Papaiêêêêêê!!!

- O que é que você quer? - voz de baixo e carranca que não impressionavam nem o cachorro, que ladrava-pulava-latia e pensava: é festa!

- Vem cá - disse Dimitri soltando um pontapé.

Pancho I soube evitá-lo.

-Estou ocupado - tinha a vaga esperança de que me deixasse em paz.

- Vem cá, paiê!

Eu fui, que outra coisa podia fazer?

Dimitri colocou sua mãozinha dentro da minha. Com o dedo indicador da mão livre mostrou o céu vermelho de crepúsculo. Enquanto Pancho I abanava o rabinho olhando para cima, Dimitri me encarou sorrindo e, maravilhado, disse:

- A lua, paiê.

O ESTRANHO

Como todas as manhãs, minha irmã Juana pega a sacola e vai até o mercadinho fazer as compras para o almoço. Cumprimenta à direita e à esquerda. Demora-se, talvez um pouco mais que o habitual, conversando com as vizinhas. Finalmente decide que está na hora de voltar para casa.

Agora que o almoço atrasou, anda depressa, concentra-se nas tarefas domésticas. De repente levanta a cabeça e vê aproximar-se um senhor corretamente vestido e um frio intenso a paralisa. Lembra que, na noite passada, sonhou com este homem. O desconhecido passa ao seu lado como se ela não existisse.

- Isto me assustou mais que se ele me olhasse - balbucia por entre os lábios pálidos. - Vocês entendem? É como se eu ainda estivesse sonhando, ou..., ou...

Jusana espera uma resposta ou explicação nossa; tem um olhar redondo por trás dos óculos baços de suor.

- Como alguém..., pode...?

Passaram-se trinta anos. Juana não voltou a ver ou sonhar com o desconhecido.

DESCONHECIDOS

Os senhores Fulando e Sicrano tinham-se desconhecido acidentalmente: um não existia para o outro.

Aquele dia era, para o senhor Fulano, um dia exatamente igual a outro. Como todos os dias, pegou seu boné abandonado sobre um móvel e saiu, corretamente vestido.

O senhor Sicrano, corretamente vestido, entrou no carro. Acendeu um cigarro. Põs o motor em marcha e se preparou para voltar a sua casa pelo caminho de sempre.

O senhor Fulano passeava diariamente pelas mesmas ruas. Conhecia cada calçada ao ponto de saber onde havia uma laje solta ou de cor diferente. Costumava dizer que conhecia o bairro melhor que as palmas de suas mãos. Não se deve ver nisto qualquer singularidade de caráter. O senhor Fulano era um homem igual a outros milhares e, como eles, desconhecia as palmas de suas mãos.

O senhor Sicrano era capaz de descrever todos os buracos do asfalto, as esquinas e os faróis que exisstiam no percurso de sua loja até a sua casa.

Foi um segundo, talvez menos.

Algumas testemunhas disseram que o motorista is distraído. Outras, pelo contrário, garantiram que o distraído fora o pedestre. Vozes anônimas afirmam que o senhor Beltrano, a quem eu, Lescano, não conheço, tirou o hapéu respeitosamente e disse: descanse em paz.