Sujeira
Tinha a casa à sujeira de noites de jantares insossos e metáforas mal criadas. ao sopé do sofá, restos secos e endurecidos de comida. estava imóvel sobre aquele móvel como quem fica sob anomia. seu rosto refletia na tevê. desligada e fria.
Ela se levantou do sofá com uma lentidão quase ritualística, como se cada movimento fosse uma dança ensaiada em segredo. O silêncio persistia, envolvendo-a em seu manto invisível enquanto ela se dirigia ao banheiro. O brilho opaco da luz do sol tardio delineava seu contorno solitário, projetando sombras delicadas pelo caminho.
Ao abrir a porta do banheiro, uma corrente de ar frio encontrou seu corpo, fazendo-a estremecer involuntariamente. O ambiente estava imerso em uma semiobscuridade de sombras dançantes do ritmo da fraca luminosidade que escapava da lâmpada desgastada no teto. O cheiro de mofo, excrementos e produtos de limpeza mal aplicados impregnava o ar contrastando com a expectativa de frescor que o banho lhe prometia.
Ela olhou em volta, observando a cena desoladora diante de si. O espelho manchado refletia sua imagem distorcida, enquanto o chão sujo parecia sussurrar segredos indesejados. Mesmo assim, ela não recuou. Despiu-se lentamente, revelando a nudez de sua alma enquanto a água quente escorria por seu corpo, lavando não apenas a sujeira física, mas também as impurezas invisíveis que a assombravam.
Resolvera ir para a cama, onde a luz fraca do abajur destacava apenas sombras, lançando um véu de mistério sobre os móveis silenciosos dali. Ela estava ali, imersa na penumbra, como se cada partícula de poeira contivesse um segredo, e cada sombra, uma história inaudita.
Seu olhar vago percorria as linhas invisíveis que conectavam os fragmentos de sua existência, como se tentasse decifrar um enigma que ela mesma havia esquecido de formular. O espelho da cômoda inerte, refletia sua própria imagem de maneira distorcida, como se desafiasse sua identidade, como se perguntasse: quem és tu neste mundo de aparências?
O silêncio era palpável, preenchendo o espaço entre os cômodos como um grito abafado. As paredes, testemunhas silenciosas de dias passados, pareciam sussurrar segredos que só ela poderia entender. Cada canto daquela casa era um labirinto de memórias e desejos reprimidos, onde ela se via perdida, buscando uma saída que jamais encontraria.
E assim ela permanecia, estática, como se o tempo tivesse congelado naquele instante de quietude e melancolia. Não era apenas a sujeira que impregnava o ambiente, mas sim a desordem de sua própria alma, refletida na bagunça aparentemente intransponível à sua volta.
No entanto, em meio à desolação e à desordem, havia uma beleza sombria, uma poesia oculta nas entrelinhas de sua existência. Porque, às vezes, é na escuridão que se encontra a luz mais intensa, e é na solidão que se descobre a verdade mais profunda. E assim, naquela vida imersa em silêncio e sombras, ela encontraria a sua própria voz, sussurrando segredos para as paredes vazias, ecoando na eternidade da noite.