Quando a vi, ela estava à mesa no outro lado do restaurante, suave e longilínea, à frente de um prato de salada que degustava com previsível elegância. Pouca a distância que nos separava, mas na prática imensa; eu, na ala dos fumantes, tantas vezes porco, tantas vezes vil, ela na ala dos não fumantes, perfeita e anti-séptica.
Hipnotizado pela graça da sua imagem, fumei mais que o normal. As dobras da fumaça a levaram a um outro plano, onde pude nos ver andando de mãos dadas, trocando confidências, vivendo sobre um mesmo teto, planejando filhos e férias, nossos corpos íntimos e tornados um só, numa ânsia quente e incessante.
Melhor assim. Melhor que o nevoeiro dos cigarros e a distância abissal dos pequenos vícios impeçam o toque, a palavra primeira capaz de romper o solene desconhecimento; que ela assim permaneça para sempre, mística, senhora de todos os segredos, vagando na neblina da minha lembrança, poderosa como Circe, sempre pronta a indicar o caminho seguro de volta para Ítaca.