Praias de Março
"São as águas de Março fechando o verão..."
Mais uma temporada se passou e Regina andava calmamente como se tivesse todo o tempo do mundo para percorrer cada centímetro do calçadão preto e branco-desbotado de Copacabana. Uma atmosfera de bossa nova, uma leveza incontrolável que a fazia lembrar de seus antigos amores frustrados enquanto passeava pela orla. Andava e ouvia as músicas de Tom Jobim em sua mente.
Observava as ondas como se fossem as primeiras de sua vida. Era como se elas levassem tudo e não trazessem nada de volta. Observava com os olhos semi-abertos para proteger-se do sol, proteger-se de enxergar o que vai alem de seu entendimento.
"Vou te contar o que os olhos já não podem ver, coisas que só o coração pode entender..."
Ela não queria entender. Regina só queria sentir. Sentir as águas geladas baterem em suas pernas, cobrirem seus pés que levemente afundam na areia quase movediça da praia.
Regina sentia que o mundo era dela e que, apesar de todas as desilusões, ainda estava viva e precisava cuidar de seu bem mais precioso. Regina pensava, andava, imaginava e se questionava. Uma nostalgia das bonecas e dos programas de tv que assistira quando criança pairava sobre seus pensamentos. Seu primeiro beijo, sua primeira noite de amor, sua primeira noite de solidão. Lembrava de seu riso mais estridente, seu choro mais comovente e seu olhar mais penetrante.
Ela era assim, olhava para o azul-infinito do céu e sentia o contraste no azul-misterioso do mar. Era um azul que a hipnotizava e a chamava, que cobria o fundo de seus olhos, e escuro. Escuro e indecifrável.
O sol a iluminar tudo ao seu redor e seu íntimo a se manifestar no paradoxo do praia: o dia tão quente que a obriga a entrar na água tão gelada. O corpo tão sedento por calor que buscava refúgio na frieza de seus sentimentos.
Regina adorava o Verão, mas não o Verão carioca de noventa e sete graus. Ela gostava do calor que produzia em seu coração e de observar o crescimento das coisas ao seu redor. No verão as pessoas são mais verdadeiras, são mais nuas, são mais transparentes mesmo em contato com o amargo gosto do sal colado no corpo.
Agora era o fim de uma temporada. O odor intrépido da mareisa embrulhava o estõmago externando tudo o que havia de podre dentro dela e anunciando que agora todo o mau-cheiro deveria dar lugar ao Outono queé a estação onde caem as pétalas e o orgulho da alma.
E naquela época, a brisa do mar trazia mais saudade. Saudade do outro e saudade de si mesma. Era a despedida de si mesma que só iria ser encontrada depois de um ano, depois que dominasse o fenômeno da Translação. É como se a vida primitiva e crua desse lugar à vida cotidiana e pós-moderna de sempre. Cansava-se, mas alegrava-se ao saber que ainda tinha o resto do dia pra percorrer o calçadão, tomar uma água de côco e bater palmas para o pôr-do-sol no Arpoador.
Resumira-se no gosto doce da nostalgia na boca e na vitalidade de curtir algumas horas da mais inocente solidão permeada pela mais refrescante saudade. Esta que refresca a alma e aquece a vida.
Sentou-se nos mini-paralelepípedos que fromavam com as cores preto-fosco e branco-acinzentado, ondas quase iguais as do mar, mas que estavam mais perto e queimavam com os raios ultra-violetas. Já o azul do mar era gelado e qualquer raio de calor seria impenetrável em suas gélidas águas, a não ser o poderoso calor humano.
Ao esperar a última chuva do verão para renovar e lavar seus sentimentos mais antigos, Regina seguia a calçada conhecendo e desvendando sua essência e sua maré...
"A promessa de vida pro meu coração..."