Catarse
Meia na cabeça, Cristo na parede, arma na mão e, de repente, na mente um juiz. Era implacável consigo mesmo, enquanto Cristo sorria na parede, lembrando que morreu entre dois ladrões.
Quis colocar a arma contra a própria cabeça, mas, o sorriso daquele Cristo, tão inerte e tão vivo, parecia lhe sugerir que queria outra coisa, lembrou-se de um almoço de família, em um domingo qualquer, entre os tropeços do tio, e a gritaria da mãe descompensada, alheio ao caos à sua volta, leu na geladeira uma formiga que segurava uma placa com os dizeres: “vinde a mim todos vós que estais cansados e eu vos aliviarei”. Ele então lembrou do que pensou, a besteira que aquilo se tornava, diante da contradição de pessoas tão desestruturadas cultuarem algo que nem mesmo elas pareciam acreditar.
Esvaindo-se das lembranças, encarou mais uma vez o Cristo e devolveu-lhe o sorriso dizendo:
“Eles nunca foram até você, eu cheguei aqui cansado e teu sorriso aliviou o peso que me traria ao coração, mais sangue em minhas mãos.”
Dando as costas, foi embora, comprou no camelô não muito longe, uma corrente de aço com um pingente de Cristo crucificado. Nunca mais matou, nunca foi a igreja, mas carregava consigo o novo testamento, como símbolo da nova vida.
Não se preocupava com as dívidas, pois essas eram por conta de Deus.