Vagalumes em noite de Páscoa

A noite translucida de luar e fogueira, dessas festeiras, mas distantes, emissoras apenas de luz, mas não de calor. Uma indefinível densidade no ar, a sensação é de que vozes e batimentos mil estão aglomerados nele, sufocando qualquer ser vivente. Obscureceu-se o templo, dele se vê apenas os pilares esbranquiçados: esguios colossos existindo para sustentar, para que não vença o grande nada noturno - a escuridão. Os muros delimitam o místico do sóbrio sono, o baú guarda riquezas que não se encaram, mas existem num só corpo. E os passos servem ao todo, e não como acaso, tal qual do outro lado é: morto, só renascido com um calafrio.

As gramas, não altas, buscam os pés, querem experimentar essa dor, essa agressão, que as despreza - não estão ali por elas, não arrancam tortuosamente por necessidade, para eles tanto faz. Há um morrinho, com tamanho de duas ou três escaladas, todo despenteado, falso desses que você olha e diz não haver perigo, mesmo sabendo que há, e nessa teimosia se aventura tantas vezes, sempre com cautela, mas, também, negligenciando de leve a cada oportunidade a fim de provar estar errado estando certo. E Ele passou o obstáculo. Fincou seu corpo na parte de trás do templo, próximo do último pilar à esquerda - algo de dileção havia nessa escolha. Grama já não mais há, o chão ali é duro e não suja os pés com macia e carente terra, não, esse piso distribui frio, deve ser porque é morto, é lápide. Ele explora a visão, dos gigantes, das novas imagens, todas turvas, manchadas, com a nitidez do céu longínquo, pertinho dali, mas na distância infinita, além do muro, ouve um pássaro gritando forte e vivazmente - em plena noite -, com som variante de locomoção, um voo para onde?, para o lago que lá próximo está. Esse é um liberto. Mas seu som violenta o ar, o canto negro vem como ventania pequena e ligeira, em formato de faca, cortando o véu misterioso, afligindo o coração, Ele está inquieto, A boca não fala nem canta, gesticulam os lábios, dizendo qual trajeto deverão fazer os visitantes dessa viagem transformadora: antes se desce para subir; e, então, se acalma.

A fogueira estava mais perto, havia para ela um altar, que só serviria para aquela noite e contrastava com a escuridão, porque era opaca, falsa, marrom e quadrada - o fogo flutuava estando fixo no chão. Ele percebeu...: virou o rosto, passou a olhar para trás, da vastidão de outrora que agora percebe o tamanho, mas ela é diversificada de inatural, de plantações artificiais, mas, ainda sim, viva; nela há duas grandes árvores, distantes umas das outras, mas iguais: tronco liso, lança deixada pelos gigantes?, que sobe como se a cabeça não pudesse ver, porém, seu topo, quando pensa em se preocupar, se revela, sendo uma explosão de folhas grossas e grandes, orêlhicas-elefânticas, querendo ganhar o céu como ser próprio, mas presas eternamente n'algo bem maior. E a grama, aquela mesma, sempre a mesma: amassada e incompetente, sendo nem mesmo tapete, está retalhada, mostrando os buracos. E vem um vento, balançar as orelhas, reclamonas do próprio destino, chorando um som chuvoso, aprenderam dele como lamentar; bagunçando o peso do ar, deixando ele menos rarefeito só por um instante, porque faz esquecer as dores para um curto deleite que passa logo, sendo constante. Uma das lanças está próxima, a outra está no meio, mais para lá para a direita-esquerda, diminuta pela posição - a imagem do tudo finda com a outra parte do muro, mas Ele está num alto, o além-muro agora é visível, não mais apenas audívell, as luzes estão lá fora, alimentadas e alaranjadas, seres estranhos, também turvos, com luzes claras na frente, outras duas vermelhas atrás; para lá e para cá; e um céu com poucas nuvens... não, o muro...

E então, eis que veio o mais. Grilos cantavam por toda a parte, em poucas vozes, mistas de volume, tentando se encontrar, talvez, ou só suspirando, quem sabe tentando imitarem o assobio do além, que é suave e envolvente, e o deles, que pena, estridentes e penetrantes. E o ar? Pressentindo o perigo, ensaiava uma investida, um redemoinho sequestrador, mas ele se dissipou, apareceram no vasto luzes, bem diferentes do além-muro, aquelas mesmas que corriam a mesma linha, essas, agora, repentinas, viam quando queriam e dançavam, fazendo bem mais que zigue-zagues, eram folhas vivas, criando luz em meio àquela luz morna da fogueira e da lua - elas venciam. Às vezes apareciam três de uma vez, também apareciam no alto das orelhas da árvore pequenica-de-mentira, mas nenhuma chegava perto o suficiente, ficavam longe, o suficiente para iluminar aquela alma. Ele teve sua apoteose. O muro... o que houve com ele?

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 07/06/2022
Código do texto: T7533049
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