Pulos
Repetia, pelo menos três vez por dia, o ritual da purificação. O que, para a gigantesca maioria das pessoas, era um momento de paz, tranquilidade e, em alguns casos, filosofações e auto-edificação, transformava numa agitação que sempre vinha a terminar em arritmia e cansaço.
Pulos frenéticos.
Muito altos.
Risos.
Era como se tentasse subir ao céu, porém, percebendo ser aquilo inútil, ria de si mesmo e de sua infantilidade.
Muitos e muitos pulos. Esquecia, às vezes, de fazer o que tinha de fazer nesses esquecimentos da realidade.
Pensava se era o único, chegava à conclusão que não, mas compunha uma minoria póstica. Aí passava a pensar nos que agiam normalmente... Será que valia a pena viver aqueles minutos numa solitude auto-materna? Valia a pena agir como todos num momento que não havia outro par de olhos presentes que não fosse o seu mesmo? Que mais nenhuma mente estaria presente para julgá-lo além de si? Chegava à conclusão que melhor seria continuar como estava: com seus pulos e risos; vindo, ao se aproximar o fim daquele momento, a correr contra o tempo para a tal purificação - que fazia melhor do que muitos dos "concentrados" no ritual.
Por anos seguiu dessa maneira: entrando com tranquilidade e saindo hiperventilando.
Seguia alegre assim.
Até, por castigo ou não, começar a doer-lhe as pernas. Idade não era, pancada também não, nem doença. Teve a certeza do motivo das dores quando, ao tentar pular novamente, sentir mais fortes as pontadas...
Como mal conseguia andar por causa disso, teve de tomar uma atitude: parar os pulos; pelo menos até aquilo passar.
Experimentou, por esse tempo, a quietude da maioria.
Nunca se acostumou.
Quando era para pensar em coisas da vida, vinha os pensamentos naturalmente, sem imposição de momento. Ficava apenas como um ser vivente - com a cara emburrada - na sua conhecida câmara a olhar as paredes e o chão - e, aí, sentir saudade de vê-lo se distanciando e voltando.
Era isso: as dores venceram e parou os pulos.
Até isso resolveu o Universo tirar...