Restos de Outono
As folhas amareladas não escondiam. Era o mundo em sua manifestação sazonal a se nos apresentar, porque éramos seres regentes naquele cenário bucólico. Por certo, a natureza nos servia... Nós a tratávamos, a nutríamos... Era justa a contrapartida. Era nosso momento mais íntimo....
As noites se fundiam nos dias sem fim, que bebiam das mesmas noites alcoolizadas, que mergulhavam nas madrugadas adentro, e que dançavam, dançavam, rodopiavam e, novamente, se faziam dias... Dias imberbes, dias “nonsense”, porque “nonsense” era nossa estada, banhada na aragem umedecida nas bromélias, beijada pelos lírios impuros... Só fazíamos nos amar.
Aqueles eram momentos frenéticos, nossa essência era incauta. De tudo nos permitimos, e a tudo nos demos. A mim, só me contempla razão quando apartado daqueles idos...
Sirvo-me do tino momentâneo para recobrar a percepção “daquele dia”, em especial. Aquele fatídico dia, em que nossas mentes fronteiriças perambularam da placidez do remanso ao limite da sandice...
Nove e meia. A passarada em furor ditava a sonoplastia. A brisa quente se esgueirava pela sacada adentro, encontrando-nos ali, estendidos naquela cama, extenuados. Nós nos amáramos muito, e muitas vezes. Apenas um olhar manso e vago a nos atar.
Verônica se levanta, caminha lentamente à sacada, espreguiça-se graciosamente e sorve todo aquele radiante mundo exterior...
— Ah! Não há nada nesta vida que me dê mais prazer do que o sol de uma manhã de outono!
Naquele instante, de súbito, o sol nos deixou e o céu se forrou de cinza. Um sopro gelado irrrompeu, alvoroçando-lhe os cabelos. As rosas sobre a cômoda se desmancharam e o vermelho de suas pétalas espalhou-se imperial.
Acode-me agora apenas uma lembrança esparsa: “Não há nada neste mundo que lhe dê mais prazer?!”.
Os aromas, os amores, os raios solares, tudo cedeu à poeira, às teias, aos respingos... É o que me restou daquele outono.