Omissão!
Um candidato a vereador me abordou na rua somente para me entregar seu prospecto de campanha. Eu disse a ele:
- Amigo, eu não vou pegar, porque voto nulo.
- Ora, se o senhor vota nulo, o senhor está se omitindo.
- Não! Vai depender da sua interpretação.
- Não senhor, o companheiro está se omitindo de fato. Depois não pode reclamar.
- Claro que posso!
- Não, não pode. O senhor não quer participar, terá melhor proveito se ficar em casa! Ir até o local de votação, expondo-se ao covid-19, só para depositar um voto nulo na urna, pra que isso? Fica em casa!
- Me diz, por que que eu deveria lhe ajudar a conseguir um emprego que paga R$ 19.000,00 por mês só de vencimento, fora os penduricalhos, e cuja única exigência é um nada consta da delegacia, por quê?
- Porque estamos numa democracia, as eleições estão chegando e eu sou um dos candidatos que posso fazer pela população melhor do que os que hoje lá estão.
- Fazer melhor o quê, senhor candidato? Eu preciso do quê, neste momento, que os atuais vereadores não estão fazendo?
- A população precisa de saúde pública de qualidade, transporte público que funcione, precisa de educação para as crianças... Tudo isso eu vou fazer melhor.
- Fazer melhor como? O seu currículo consta neste prospecto? O senhor tem alguma formação jurídica, sabe como redigir uma lei? O que o senhor entende de educação? O senhor é professor, por acaso? Em vez de me fazer ouvir suas promessas, convença-me da sua competência, do conhecimento que tens da Saúde ou do Transporte... ou seja lá do que for.
- Eu posso garantir ao senhor que pelo menos roubar, eu não vou. Todos que me conhecem e também a minha família, sabem que sou um homem honesto e venho de uma família honesta.
- O amigo agiu como político experiente, fugiu da questão embaraçosa, tudo bem! Agora, se foi para se defender de algum ataque, garanto-lhe que esse não existiu. E digo mais, todo mundo pensa que o senhor é honesto até que provem o contrário, fique sossegado. Seja paciente comigo e ouça isto: se eu for de casa até o local de votação e depositar meu voto na urna, estou ou não cumprindo com o meu dever de eleitor? Responda-me isso, por favor.
- Sim, está.
- Se obedeço a determinação da lei, tenho todo direito de reclamar, como não? Se nos houvessem dispensado o dever de votar e tivessem decidido pelo voto facultativo, garanto que não estaríamos aqui discutindo este assunto. Vocês, políticos, não divulgam o voto nulo por conta de interesse pessoal e proveito duvidoso, pois sabem muito bem que o voto nulo, assim como o voto válido, são escolhas legítimas, são opções que fazem parte do processo eleitoral, não fosse assim, tal voto seria automaticamente recusado por ser inválido. Querer negar o óbvio já começa por criar desconfiança.
Nesse instante ele interrompeu a minha fala para insistir, disse:
- Isto é omissão! Não votar em candidato algum é se omitir. Depois, vai reclamar de quem? Do concorrente, que não recebeu o seu voto mas se elegeu, com que moral?
- Com a mesma moral dos que foram voto vencido, que ajudaram um candidato de menor expressão e o adversário, porém mais votado, foi quem conquistou a vaga. Ora bolas! Ouça mais isso, companheiro, para ganhar o meu voto o sujeito tem que ser honesto, este ponto é primordial; e tem que mostrar que há muito já convive com o problema pelo qual garante lutar pra resolver; a minha peleja particular é combater a imoralidade no gasto do dinheiro público, justamente do que não ouvi o senhor falar. Além de tudo isso tem também, que me convencer da sua competência, do bom conhecimento da causa que defende; sem me convencer que está preparado para cumprir suas promessas, jamais receberá meu voto. Simples assim.
O que pode ser mais óbvio do que isso? Não encontrei candidato competente, nenhum com os quais eu conversei convenceu-me que cumprirá o que promete, então eu voto nulo.
Na democracia americana, nossa referência de sistema político, o voto é facultativo, isso obriga os pretendentes a cargo público de procurarem os eleitores, nem que seja por telefone, para uma conversa pessoal de convencimento. É através desse método que os eleitores ouvem as promessas de todo tipo, ao mesmo tempo em que também são convencidos de comparecerem aos locais de votação para depositarem seus votos na urna e garantir a eleição do candidato escolhido. Dessa forma o eleitor tem a oportunidade de perguntar o que lhe interessa saber e avaliar a postura de cada um. Com o voto obrigatório, essa armadilha capciosa que degenerou o sistema eleitoral brasileiro, basta um santinho com o número do candidato em suas mãos para o eleitor digita-lo na urna eletrônica e cumprir com seu dever. Que pesquisar coisa nenhuma! Como procurar informação se eu não tenho tempo para ler nem tenho dinheiro para comprar jornal, se não tenho computador nem sei lidar com essa máquina, se levanto as cinco da manhã para trabalhar e chego em casa as oito da noite para descansar... Definitivamente, eu voto nulo. Não conheço ninguém e candidato algum jamais procurou por mim para um aperto de mão, pelo menos. Eles não têm essa obrigação.
Por outro lado, lembrem-se meus amigos, ninguém tem que dar seu voto para qualquer um só para não ouvir que foi omisso. Não sejamos assim levianos. O voto nulo reflete fielmente a opinião do cidadão e vale tanto quanto qualquer outro. Se você chegar a esta mesma percepção, nada de constrangimento, vote nulo, pois este é de direito, é válido e, principalmente, é consciente.
OMISSÃO!
Isso não é omissão, a isso chamamos de levar a sério a responsabilidade.