Da insignificância a salvação
Meu olfato aguçado me transportara para as minhas mais íntimas memórias. Na finitude do meu espírito onde hábita o meu eu interior, a criança sagrada que há dentro de cada um de nós. O cheiro forte do incenso de mirra que pairava sobre o ar, as vela no candelabro que acabara de acender e o cigarro no cinzeiro. Sentia o vento tocar em minha pele, como quando uma parturiente acabara de ver o seu bebê pela primeira vez . As vezes Deus é generoso com um formiga, mas só as vezes. Sentado na beira da cama, fitava a chama das velas quase como um transe hipnótico, onde nada era mais importante que o caminho do iniciado até a tocha sagrada.
Era três horas da madrugada, Olhando ávido a chamada das velas que mais pareciam estarem me observando, onde eu era o objeto e a as velas o sujeito. Não hesitei em apagá-las; Foi quando ao ouvir à sétima trombeta eu era a formiga, a frágil e insignificante formiga.
Ao me levantar da velha cama de madeira , aquela mesma cama de 10 anos que suporta meu corpo sobre ela, eu pensei : Qual será a benção ou a punição que Deus estará tramando em minha vida? — Ah, Deus não erra! Era tudo tão dramático como uma cena de novela mexicana ao qual eu decidi não ser o protagonista e deixar ao Deus dará. Minha sorte agora dependerá do diretor.
Quando horas depois, ao sentir o cheiro de mirra e as energias estarem diluídas sobre o ambiente, eu morri. A mesma morte de uma formiga ao qual julgam ser tão insignificante, uma criação de Deus, entretanto, sem compaixão alguma para com a pobre, frágil e inútil formiga.
Na minha ânsia para desfrutar o paraíso, eu vou de encontro com o que há de mais puro em mim, a criança interior . A mesma criança interior que a psicologia tanto fala. Sentí o êxtase do amor incondicional, o amor verdadeiro, o amor de Maria pelo seu filho diante da cruz. E eu então, formiga, senti por alguns instantes que fazia parte do universo.