Insone

Serão os sapatos a representação dos passos na vida e os desgastes dos sapatos rotos que igualmente desgastam o ser.

Saio do trabalho mais tarde do que de costume e na volta pra casa entro em um bar no caminho, na esperança que talvez uma,duas ou mais doses ajudem a dormir mais rápido.

Entro, procuro um lugar para sentar o qual me permita ver as pessoas passarem na rua. Estou em uma das mesas ao lado da porta de vidro, na fronteira entre o interior e o exterior e vou pedir uma bebida, mas eu não sei o que beber, olho ao redor A maioria toma whisky Aceno para o garçom, ele vem até mim.

— O que gostaria, senhor?

— O que a maioria prefere — respondi .Ele me olhou assustado, saiu e voltou com uma bebida.

Tomo-a em grandes goles e observo as pessoas, suas conversas e ensaios de sorrisos.

Vejo uma mulher passando na rua, ela tem o rosto quadrado e cabelos curtos muito pretos caindo sobre os olhos de grossas sobrancelhas, seus ombros estão à mostra ,vem atravessando a rua em minha direção com o olhar arqueado de quem procura o seu objeto de desejo ela está se aproximando agora, posso vê-la melhor e descubro: É Sofia, não posso acreditar, me encolho todo sobre a mesa tentando camuflar-me sob o smoking seus olhos se movimentam incessantemente ,ela procura alguém. Por favor, não me veja, imploro encolho-me mais, pego uma agenda do bolso e finjo lê-la para continuar a esconder-me. Uma menina corre em sua direção ,ela a toma nos braços enchendo-a de beijos levanto um pouco meu olhar, pois ela vê apenas a menina.

Observo-as São muito parecidas a menina é a cara da Sofia na foto do aniversário de 5 anos, um homem se aproxima de Sofia com outra criança, um menino eles não se beijam assim que ele chega e os quatro seguem andando juntos pela rua, não pegaram nas mãos pra sair, mas agora as deram e seguem junto .Peço outra dose da bebida predileta e continuo olhando-os até enquanto consigo vê-los. Como é imensa a rua, penso.

Chego em casa, apago todas as luzes e jogo-me na cama com a intenção de que o fato de deitar aliado há algumas doses me fizesse dormir, mas as luzes dos outdoors da avenida do prédio fazem um jogo de sombras e penumbras nas paredes do meu quarto.

Levanto-me e vou fechar a cortina para impedir a luz de entrar, tento puxá-la, mas não consigo por nenhum dos lados, tento abri-la e ela não se move a cortina está quebrada não abre e nem fecha, portanto não há como controlar a quantidade de luz que entra no quarto então,é dia o tempo inteiro, vida sem intervalos. Rasgo a cortina já que não posso controlá-la, livro-me dela. O apartamento é a representação de mim ,não há flores ou quadros aqui só mofo e poeira tudo está quebrado ultrapassado e não há conserto.

Mas para quê eu vi aquela maldita mulher. Tenho inveja de sua felicidade, embora eu não acredite nisso eu realmente não entendo se eu tivesse fé, talvez tudo fosse mais fácil e aquela menina seria minha filha, a filha que eu sonhei .Mas eu homem das hipóteses e teorias, bebi demais ,trabalhei demais, vivi de menos e me vejo entorpecido por tudo que eu poderia ter feito, porém só cogitei. Encarcerado ao passado, penso..pois é mais fácil que viver

Hipóteses e teoria

Bebida,cigarro,insônia e poesia

Li tanto sobre o amor e as formas mais lindas de dizê-lo, porém não o soube dizer.

Vivi o se.. e me transformei em mera hipótese e dentre tantas hipóteses existe o nada

Sofia me leva a fantasmas de mim mesmo: a filha que não tive, o amor que perdi.

Para que voltar quando se volta para o nada?

Abro a porta e vou para a varanda quero ver os primeiros raios do dia, sento-me no chão, olho a rua, não há carros, acho que todos dormem e o semáforo está lá exercendo sua função em intervalos precisos e regulares ,perfeito como as coisas o são ,está amarelo agora e tudo que consigo almejar é não estar aqui mesmo não sabendo o que há além da varanda não consigo acreditar que seja pior .As placas dizem siga ,mas não me apontam caminho

A varanda é a representação da fronteira, da linha pontilhada entre o passado e o presente, estou na linha.

Mas Minha aurora insiste em saltar.

decido por matar-me.

Calço os sapatos e vou trabalhar.