A velha senhora
A primeira coisa que fez, naquela manhã outonal, foi abrir a janela: acolheu o dia ensolarado com o esboço de um sorriso. Chamou o marido, que logo lhe perguntou como estava o tempo. “Muito bom”, respondeu, com bastante entusiasmo. “Queres vir comigo?” “Não, tenho umas coisas para fazer, te espero no fim da tarde.” E ele se arrumou, tomou um café e partiu. Antes, ela deu-lhe um beijo satisfeito, por dois motivos, por ser o companheiro que era, de todas as horas, e por respeitar a sua necessidade de isolar-se, de vez em quando.
Depois de ler o jornal, com uma calma aparente, depois de perambular pela casa, fazendo pequenas arrumações, dirigiu-se a uma peça nos fundos do pátio, que lhe servia de sala íntima. Acomodou-se num sofá que escolhera pela comodidade, ligou a televisão, deu uma zapeada nos programas do momento. E, então, surgiu a vontade premente, cada vez mais forte, até que não pode resistir. Sim, naquela manhã podia, o marido estaria bem longe. Abriu a geladeira e puxou uma garrafa de cerveja. Saboreou-a até o fim, apanhou outra...
E as horas passaram. Pegou no sono, dormiu por muito tempo. Quando se acordou, deu-se conta de que era tarde, nem havia almoçado. Tomou um banho demorado, seguido por um café forte. Estava pronta quando o marido chegou de fora, cansado. “Como foi o dia?” perguntou-lhe. Respondeu que tinha aproveitado para descansar. Sentiu remorso por estar agindo às escondidas, mas sabia que ele não lhe permitiria fazê-lo. Queria que ela seguisse à risca as instruções do médico. Beliscava-a o fato de perceber-se impotente: não devia, não podia. Apesar de tudo, perseverava.