Ventos passados sopravam o coração do vaqueiro e traziam  lembranças da  meninice. Qualquer  tolice de menino da roça era diversão. Boa recordação ele tinha das traquinagens, e das manhãs de sol na beira do rio, nadando nas  enchentes do Saracura. 

Naquele tempo, João, ainda menino, atirava uma pedra no redemoinho na curva do rio, no lugar chamado Quadrado. Ali, os meninos mergulhavam  e traziam a pedra na mão como um troféu. E aquele  que conquistou o troféu, dizia: “Galinha d’água!  Que d’água é? Cozida ou assada? Do jeito que vier!” E outra vez a ‘galinha’  era atirada na água.
Era  assim a vida de menino na roça.


 As meninas se banhavam em poço raso, depois da curva do rio. Mas na hora de se retirarem  faziam algazarra, conversavam alto. Era o sinal que estavam voltando pra casa.
Os meninos faziam o mesmo, saiam da água e cada um vestia ligeiro  seu toco de calça. Ó tempos...

João Velho puxou os freios, amiudando o passo da cavalgadura. Vaqueiro Alexandre também reduziu a marcha, e mexeu-se na sela. Sentou de banda, flexionou uma perna e retesou a outra.

— Precisa se acanhar não, pode libertar o gás — disse João.
— Deixa de  sem- graceza, Nhô Velho, e termine de contar a história!
E João Velho continuou.
— Então, o capim orvalhado roçava nas pernas das meninas. Elas gritavam assustadas. Dengosas... “Ui, uma cobra!” Era quando um menino afoito se aproximava, mostrando coragem, procurando pau pra dar nalgum animal rastejante e peçonhento...
— Matava a cobra?
— Tinha cobra não! Mas... no dia em que uma cobra dourada atravessou a vereda. Senti o coração de Euzébia saltando fora.
João percebeu que estava prestes a revelar uma intimidade.
— Coisa à-toa, seu Alexandre. Coisa de menino metido a homem.
— Já começou, agora conte. Com todo respeito à sua senhora. Naquele tempo o amigo era solteiro.
— A cobra passou deslizando com suavidade. Brilhando como uma pulseira rastejante. Aí, o coração de Euzébia disparou assustado. Ela pegou minha mão e pôs sobre seu peito. Meu coração acelerou palpitante... Parece que Euzébia  ficou envergonhada e tirou minha mão dali. Depois,  olhou de um jeito tão bonito... Seguimos andando devagar, caminhando naquela vereda quase coberta pelo capim. Limpo mesmo, só o lugar de pôr os pés. E bem estreito. Mal dava para andar emparelhado. E nem sempre dava. Só aqui e ali... Às vezes  acontecia um roçar de mão, e sem querer, e, querendo muito,  as costas das mãos se tocavam. Ela puxava demonstrando acanhamento, lavada de vergonha, e o menino, envergonhado, punha a mão no bolso.
— Bons tempos aqueles, não?
— Ah, sim!

Seguiram viagem. Agora,  com o sol dando-lhes nas costas, aumentava a vontade de chegar em casa.