Por Acaso

Desde o adeus, não se viram mais. Mas o agosto chegou imponderável, o filme era romântico e o reencontro foi inevitável. O rapaz se esforçou, a moça tem mais medo do que falta de vontade... Medo de repetir o delicioso vinho, por saber que depois dele a ressaca viria avassaladora. Ela olhou para o lado com expressão de enfado; ele procurou no céu algo que não havia — o jogo das negativas.
 
— Uma entrada — a bilheteira o olhou semi-espantada (Aquele não era filme de se assistir sozinho!). O trejeito de dureza não permitiu nenhum comentário em voz alta. O troco veio em balas: hortelã, coco, Nilva, Chita — iguais às comuns. Balas inocentes, balas apenas.
 
A cena pareceu se repetir com a jovem, menos as balas. O dinheiro viera em trocados. Cada um, por sua vez, levantou as pesadas cortinas e entrou, ela à direita; ele, à esquerda. A escuridão era tanta que confundia a tentativa de arrumar assento. O lugar não aparecia...
 
O rapaz foi sentar-se e havia gente. Tentou, então, o banco da frente. O filme era escuro, mal dava para distinguir qualquer coisa. A câmera focalizava um beijo de amor, um abraço. A trilha sonora bisava “o amor é uma coisa muito esplendorosa”.
 
As pessoas sentadas ao redor riam, atentas a cada cena na tela. A música continuava: “o amor é a maneira da natureza de dar / uma razão para viver, / a coroa de ouro que faz do homem um rei”.
 
Os olhos da moça foram se acostumando com o escuro. Foi então que ela percebeu vazio o lugar ao seu lado. E o seguinte. E lugares a sua frente. Descobriu, num susto, que estava lado a lado com o ex-namorado.
 
O rapaz respirava com dificuldade, o perfume tão seu conhecido lhe entrava pelos pulmões doce, inebriante. Pensaram em trocar de poltrona, mas parecia que o suor os pregara nelas. Nenhum deles se moveu. Foram ficando, ficando... O beijo no cartaz, lá fora, não saía da cabeça de um e outro.
 
Foi quando ele enfiou as mãos no bolso e encontrou as balas. Ofereceu-as a ela, que aceitou. A moça cruzou as pernas. No filme, momentos românticos carregados ocorrem em uma alta colina coberta de grama. O som — Uma vez em uma colina alta e ventosa, /Na névoa da manhã, dois amantes se beijaram / E o mundo ficou parado — Ele não se conteve e tocou-lhe os joelhos.
 
— Que mãos frias! — uma batida mais forte do coração convulso.
 
— Aqueça-as, elas não sabem ficar sem você — foi a pronta resposta.
 
 
Ah! Essa antiga paixão! Todo um cenário móvel se constrói: braços em movimento, pernas trêmulas e dos lábios, miúdas, coloridas pela luz dos rostos, as palavras de desculpas pela separação. E um mundo vibrátil por dentro. No filme, a cena final agridoce no topo da colina, a música que lembrava os encontros anteriores.
 
  
Os sonhos iam renascendo e tomando forma. Ah! O encanto de amar... Detrás das cortinas era dia, um dia claro e quente.


 
 

 
 
Fheluany Nogueira
Enviado por Fheluany Nogueira em 23/08/2018
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