Desfile
O cenário é o de um desfile de moda. Tem uma passarela, um corpo de jurados e um narrador que vai falando a sequência e as informações extra.
Narrador (com voz de animador de plateia): E agora lá vem a nossa próxima participante: Ellen de Carvalho.
(aparece um caixão com a foto da pessoa)
Ela que vem representando a classe docente e que foi assassinada por traficantes ao sair da escola. Investe no típico caixão tradicional, marrom com alças douradas, provando que o clássico nunca passa. Fala aí, jurados...
Jurado 1: Olha, a Ellen tem uma história deveras chocante, que dá um tom sóbrio no look, mas acho que pecou por não ousar mais. Sabe, traficantes, policiais, essa dicotomia já virou clichê... meu voto é não.
Jurado 2: Concordo com o colega. Apesar do visual clássico, essa investida no mesmo tema já acaba partindo pro brega. Cativa as massas, mas não surpreende. Meu voto é não...
Jurado 3: Olha, não acho que ela foi pro brega. Pelo contrário, essa é um tipo de tragédia que sempre tá em alta, e que trabalhando bem, dá pra descolar bem. Fora que amei a coroa de flores... eu voto sim.
Narrador: Com dois votos a um a professora Ellen foi desclassificada, portanto vamos para o nosso próximo participante. (Mais um caixão) E aqui mais um que investiu no clássico, trazendo uma história comovente também. Matias Vasconcelos, ele que foi médico de uma Ong na periferia e que cuidava das crianças no bairro, assassinado em uma tentativa de assalto por um de seus pacientes e teve o rosto desfigurado pelos disparos. Traz um caixão branco com flores vermelhas... o que os nossos jurados têm a dizer?
Jurado 2: Olha, achei interessantíssimo o elemento surpresa. Explora bem a questão dos contrastes, o que acentua o teor dramático da história. Só tiraria a questão do rosto, porque aí já exagera... acaba indo pro kitsch. Mas ao todo, meu voto é sim...
Jurado 1: Acho que não adianta historinha, tem que ter rosto. Meu voto é não.
Jurado 3: Meu voto é não, porque acho que faltou um toque de cor, sabe? Se fosse negro, talvez chocasse mais. E gay...
Narrador: Eita que os jurados estão seletivos hoje... Passemos para o próximo. Jurandir Carvalho, pode vir Jurandir (outro caixão). Pastor protestante, pai de 2 filhos e que tocou uma missão de alfabetização para pessoas carentes, além de distribuição de cestas básicas no natal e na páscoa sem ganhar nada em troca. Morreu atropelado por um motorista bêbado... essa é forte, hem?
Jurado 3: Olha, cristão? Sério isso? Cadê a nossa diversidade, gente? Tanta coisa diferente para se mostrar... aff, meu voto é não.
Jurado 2: Concordo bastante com a fala do colega e reitero que acho importante darmos mais vazão à nossa diversidade religiosa, sairmos desse padrão muitas vezes limitador do politicamente correto. Meu voto é não.
Jurado 1: Nada a acrescentar. Meu voto é não...
Narrador: E agora o nosso último candidato: João da Silva. Pedreiro de 23 anos assassinado por um suicida enquanto passava debaixo do prédio em que iria realizar o serviço. O assassino, acabou escapando e está em casa passando bem... pode vir João (vem outro caixão). O visual não é lá essas coisas, mas isso quem decide são nossos especialistas.
Jurado 1: Olha, amei a originalidade. Fugiu do típico, ousou ser diferente, saiu da caixinha. Amei! Sim
Jurado 2: E o que é legal aqui é que às vezes você não precisa ser grandioso, basta ser simples e isso acaba conquistando. Pra mim é sim!
Jurado 3: Muito importante percebermos isso, até porque essa é a real cara que buscamos. Acho que é nosso dever pontuarmos as coisas que todos podemos ter, essa simplicidade ousada... que dá esse tom fashion que foge do kitsch. Meu voto é sim...
Narrador: E com isso o ganhador do prêmio Morte do Ano é: JOÃO DA SILVA!!!!
(Musiquinha de vitória. Chuva de confetes)
Pode trazer a coroa de flores que ele merece! Tá aqui a família muito emocionada. Ninguém esperava por essa, rapaz... Enquanto isso, pausa para os comerciais... já, já a gente volta.
FIM