Esperar para ver


 
                   A tarde estava chuvosa e fria. Manuel entrou em casa, os olhos cinzentos sérios, fechou a porta e agitou no ar algumas folhas de papel.

                   — É o resultado dos exames — fez uma pausa — é linfoma. 
                   Senti um nó na barriga. Ele me abraçou e ficamos em silêncio, tentando nos recuperar. Este novo fato rasgou o tecido de minha visão de mundo e me deixou exposta e vulnerável.

                   Não telefonei para os filhos na mesma hora. Antes queria me acostumar com a ideia. Preparei o jantar e abrimos uma garrafa de vinho. Conversamos muito sobre o passado, debatemos sobre os males do materialismo e rimos. Certas coisas nunca mudavam. Depois de comer limpamos tudo e fomos dormir. Acordei de repente de madrugada e me sentei na cama. Nós nos amamos por tanto tempo, refleti. O caminho que percorremos parece estar ficando mais curto. Duas palavras do laudo não me saíam da mente: maligno, invasivo. Desci da cama e fui pé ante pé até o escritório.
                   
                   Enfrentávamos uma força assustadora, mas acreditava que a informação é benéfica, e ter uma boa ideia do emaranhado de caminhos nos ajudaria a encontrar a saída. Consultei o Google. Fiquei absorta em pesquisas até perceber que o sol nascia. Voltei para o quarto e deitei-me, bem quietinha.


                   Liguei para os meninos que vieram passar o fim de semana conosco. Fizemos um churrasco, discutimos opções. Na segunda-feira, marquei hora na primeira de uma série de clínicas que percorreríamos em maratona. Novas e antigas abordagens: cirurgias, exames, procedimentos, medicação... Tratamento longo e dolorido. A presença e o carinho dos filhos, dos amigos não me deixavam enlouquecer.  Eram várias as possibilidades... Nossas emoções oscilavam de lá para cá, de um dia para outro, até de uma hora para outra. Cuidados com cada alternativa. Estávamos no jogo de esperar para ver...

                   Seguíamos cautelosos... A cada fracasso no tratamento, voltavam reações,  bem conhecidas. Nós, ao ar, crucificando os olhos em todos os pontos vagos, fazendo contas, somando disparates e esperanças, coração disparado, fundo no estômago, uma sensação arrepiante. O importante era que estávamos juntos, a ternura nascendo ao afago das mãos e os pedaços do passado surgindo surpreendentes como flores brotantes das raízes. Era deitarmos e relembrarmos cada fase da nossa convivência, o nascer de cada semente, as descobertas do dia-a-dia. Até as brigas ganhavam outro ângulo.

                   — Gostaria que não estivéssemos passando por isso. A vida estaria melhor — eu repetia, sem conseguir mais me alegrar.

                   — A vida é boa! — Manuel revidava.

                   — Tenho medo de perder você — eu chorava!

                   — Ei! Ainda estou aqui — bravo comigo secava minhas lágrimas, resmungava que não se deve supervalorizar o futuro, que qualquer labirinto tem uma saída.
 
                   Não há mais pânico. O futuro vai se estendendo um pouco mais a nossa frente. Não sabemos o que contém. Por enquanto, a esperança de ter um futuro basta.


 
Fheluany Nogueira
Enviado por Fheluany Nogueira em 17/02/2018
Código do texto: T6256456
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