SOLIDARIEDADE SEM MEDO... Série: Verdades que eu conto...

SOLIDARIEDADE SEM MEDO...Série: Verdades que eu conto

SOCORRER DESCONHECIDOS E NUNCA MAIS SABER DELES

Durante a minha vida, desde jovem, tive experiências que muito me marcaram.

01 - Uma delas, foi um acidente que sofri com meu irmão mais velho, Ernesto e sua esposa, na BR-324 - Salvador-Feira. Meu irmão ao volante, às quatro h. da madrugada entrou no fundo de um caminhão que estava parado na pista, logo após a curva conhecida como "Cova de Defunto", possivelmente quebrado...

Acordei no Hospital Dom Pedro II, em Feira de Santana, onde recebi os primeiros socorros, após o que, fui transferido para Salvador onde me submeti a duas cirurgias da face. Levei três anos sofrendo dores e o incômodo de drenos, o rosto inchado, enxaquecas e febres todos os dias após o almoço...

Soube à época que um homem dirigindo uma Kombi nos deu socorro até o hospital. Nunca soube seu nome, onde morava e nada pagamos pelo serviço que nos prestou. Que Deus dê a este anônimo cavalheiro e a todos os seus, saúde, paz e vida longa...

02 - Namorava aquela que seria minha esposa, Valni Guimarães, em Poções. Voltei a morar em Salvador e lhe fazia visitas constantes, principalmente em épocas festivas.

Na festa de São João de 1963, peguei um ônibus em Salvador e cheguei muito cansado a Poções, já no final da tarde.

Levara 13 horas num ônibus desconfortável, com gente em pé, gente sentada no braço da poltrona, etc. Fui ver a futura noiva e preparei-me para jantar com meu irmão Ernesto que era advgado militante naquela Comarca. Depois fui tomar banho, e, ao sair do banheiro, deparei-me com uma amiga de infância, Terezinha Mascarenhas, desesperada. Seu namorado havia sofrido um acidente na Rio-Bahia, na entrada da cidade e estava a perder muito sangue pelo nariz e pela boca. Os médicos recomendaram que o levasse para Vitória da Conquista urgente e o único veículo em condições de fazer o transporte era a Kombi do meu futuro sogro, Valdemar Guimarães que havia dito que só entregaria o carro a mim...

Deixei minha festa de São João e fui para Conquista com o médico Orlando Ventura de Matos, assistindo o moribundo que estava em pré coma. Vez por outra tinha que parar o veículo a pedido do médico que dizia: o homem está morrendo. Fazia massagens, mudava a cabeça de posição e... duas horas de martírio depois, chegamos ao primeiro hospital, cujos enfermeiros foram logo descartando o atendimento por falta de vagas. Fomos ao segundo e ao terceiro hospital e os argumentos foram os mesmos. Neste último, entretanto, eu e o médico decidimos que o paciente seria internado ali, de qualquer forma, pois sua morte era esperada a qualquer momento. Depois de muita confusão, altercações, etc, apareceu um médico que responsabilizou-se pelo internamento do rapaz. Não me lembro do seu nome e muito menos da sua fisionomia, totalmente desfigurada e ensanguentada. Sei que está vivo e mora aqui em Vitória da Conquista, mas não sei seu nome e jamais o vi após este episódio...

Quando chegamos em Poções a festa já havia acabado. A cidade estava deserta, a população mergulhada em sono profundo...

03 - Numa época em que as estradas eram carroçáveis, viajávamos eu e o amigo e poeta Florisvaldo Rodrigues para Mucugê. Tudo ia muito bem e estávamos a cerca de 20 Km da cidade quando nos deparamos com uma Rural Willys parada na pista e várias pessoas a sua volta, pedindo socorro. O veículo tinha batido o motor e o casal com três filhos menores de 10 anos, estava alí desde as 10 horas da manhã.

- O Sr. é o primeiro que passa aqui desde que noso carro quebrou - queixou-se o motorista. Tínhamos uma corda que amarramos no pára-choque da Rural e a rebocamos até a cidade de Mucugê, na Chapada Diamantina da Bahia. Fiquei muito feliz em ter sido útil àquela família que se encontrava sem água e sem alimentos em plenos gerais. Também não sei os seus nomes e não me lembro das suas fisionomias. faz 30 anos que este fato aconteceu...

04 - Fato semelhante aconteceu na estrada Ibotirama-Barreiras. Tinha chovido muito e encontramos uma Rural com uma família que ia de mudança para Barreiras. O carro tinha quebrado a embreagem. Fizemos a mesma operação e levamos a família com o carro puxado na corda durante 40 Km. de uma estrada em ruínas. Meu Maverick sofreu muito e nós também, mas enfim, chegamos a Lagoa do Oscar, onde havia oficina e deixamos o pessoal que se desmanchava em agradecimentos.

Assim é a vida.

Nunca neguei socorro a quem quer que seja na estrada.

Apesar de acontecerem assaltos por simulação de necessidade de socorro, costumo agir com prudência, mas não deixo de ajudar os semelhantes.

Aqui em Vitória da Conquista, várias vezes socorri pessoas em estado crítico, crianças acidentadas, mulheres em trabalho de parto, a maioria totalmente desconhecida. Também socorri alguns amigos, tendo êxito em encontrar apoio médico, sempre. Sem falar em dezenas de pessoas que encaminhei para cirurgias as mais diversas, em situações as mais díspares. Residentes aqui e em municípios vizinhos.

Lembro-me ainda, em 1970, de duas jovens turistas cariocas que foram atropeladas em Salvador quando desciam a calçada no Farol da Barra. Nesta noite, estava em companhia do poeta Carlos Napoli. Carregamos as vítimas e as levamos para o Pronto Socorro do Canela, onde foram atendidas. Lá, a que sofrera menos ferimentos nos informou o nome e endereço da família onde estavam hospedadas, no Loteamento Lanat, no Barbalho. Tocamos a campainha do apartamento às duas horas da manhã para comunicar o acidente e levamos um casal aflito de anfitriões para acompanhá-las no hospital. Ambas tiveram fraturas nas pernas e braços, mas estavam bem, e permaneceriam em observação no PS por 24 horas. Elas devem estar atualmente com cerca de 48 anos de idade. Os nomes, não me lembro...

Assim é que, várias pessoas às quais socorri, anos após, casualmente quando me encontram relembram a minha atitude de solidariedade cristã, trazendo-me à memória muitos fatos que já andavam esquecidos...

Ricardo De Benedictis
Enviado por Ricardo De Benedictis em 22/10/2005
Reeditado em 01/05/2006
Código do texto: T62056
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