As longas sombras
Longas sombras no nascer do dia naquela terra de planuras. O caminhante ia sozinho, pela manhã fria, de vento frio e seco. Raramente outra pessoa passava também caminhando. Alguns carros. Todos em seus momentos e mundos e trajetos, com suas longas sombras, sem conexão com o mundo do caminhante. O caminhante na manhã que ia fazer suas atividades. Trabalhar. Ou comprar pão se os horários de trabalho, e o cansaço, permitissem. O vento de seu caminho solitário, em meio a carros e outros raros caminhantes, e muito vento frio e seco e sua longa sombra.
O vento frio e seco parecia incomodar também sua sombra, que ia aos poucos diminuído. Bem aos poucos. O sol se levantava devagar. A tarde não. Estava de dia, e de repente, noite. Sem aviso explícito. Burocrático. Entardecer de hora de relógio. Com vento frio e seco também. E poeira, poeira escura. Tudo ficava meio escuro, mesmo a pleno sol. Era a poeira, o caminhante pensava.
Os longos quarteirões, planos, quadrados, do mesmo tamanho, burocráticos. Habitados, mas dos muros para dentro em outro espaço e tempo, sem conexão com a rua, nem com os que nela caminhavam. Um prédio, uma casa, uma loja ainda fechada. Sem pessoas visíveis, sem conexão. Um carro passou, mas não deu para ver o rosto de quem estava dentro. Mas dois quarteirões. Prédios, casas, loja fechadas. A padaria.
Naquele dia havia tempo. A padaria. Entrou. Estava cheia de gente, lâmpadas nos quatro cantos, sem sombras. Sem ventos. Com pessoas conversando. A padaria parecia uma alucinação. Comprou o pão rapidamente. A padaria/alucinação estava lhe dando tontura. Saiu da padaria para o vento e as longas sombras. As ruas opacas. Voltou pelo mesmo caminho que viera antes. A sombra agora o acompanhava por trás. O sol pálido incomodava através da poeira. A mesma coisa. Carros. Agora um pouco mais pessoas. Mas ainda muito poucas. Nem era tão cedo.
A volta parecia mais longa e começou a ficar penosa. Cansaço e a sensação de que nunca ia chegar. Mesmo assim continuou. Sentar no chão na rua era pior. Ou assim lhe pareceu no momento. A alternativa era se manter em movimento. Contra o vento e com o sol nos olhos. Levando o pão. Pensou no pão. Café. Casa. Descanso. Depois... era depois. Depois... mais um quarteirão. Depois... mais um. Já via o prédio. Não pensou mais no depois. Só olhava para o prédio e o via crescer. Se aproximar. Era só se manter em movimento. O prédio.
Chegou, entrou no elevador. Depois em casa. Fechou a porta. Deixou o pacote de pão na mesa. Aprontou a máquina de café, e enquanto ela fazia sua parte, pegou a menteiga, o bolo do dia anterior. Escolheu um livro que não tinha lido. Ia ver só a parte inicial para ver se era bom. Devia ter comprado um revista também. O café ficou pronto.
Tomava o café com o pão e a manteiga. Algumas sombras passavam quando não estava olhando. Sussurros. Sem conexão com seu café. Concentrou-se no livro. Que não pretendia ler. Só ver ser parecia ser interessante. Lá fora as sombras iam diminuindo, mas cresceriam outra vez no fim da tarde, e na manhã do dia seguinte. O vento continuava. Não entrava no apartamento, mas se escutava seu uivo vindo lá de fora. O café lhe deu algum ânimo. Mesmo assim foi descansar. Parou de ler o livro quando acabou o café. Não tinha planos. Mais tarde sairia de novo para comprar o almoço.