EXCLUÍDO

Enfim, chegou o dia de sua formatura. No ônibus, espremido entre os passageiros, deixou-se levar pelas lembranças. Voltou ao instante em que lera seu nome na lista de aprovados na Universidade pública. Os olhos marejados da avó ao receber a notícia... Pena que não pôde dividir a alegria com a mãe, que o abandonara quando ainda bebê. Lembrou-se da visita ao pai, na penitenciária: “coisa de fresco; e gente como tu não pode ser fresca, não”. Outros momentos tomaram sua memória: os dias duros de lida na loja, o sono indomável em sala de aula, as rejeições e demonstrações de preconceitos, vindas de todos os lados. Mas conseguiu! A alguns minutos, receberia o diploma! Assim que o ônibus parou em seu ponto, desceu afoitamente e, de tanta ansiedade, pôs-se a correr ao encontro da nobre conquista. Corria muito, como se voasse livre, imune a todos os males! Nada mais poderia detê-lo, o mundo lhe pertencia! Ah, que deliciosa sensação, a da vitória!

De repente, um estalido! Arma de fogo! Um tiro! Viatura de polícia! Som de sirene! Levou a mão às costas. Sangue! Embora trôpego, sem forças, insistiu em continuar, estava quase chegando! Já na entrada do local da cerimônia, caiu. Com extrema dificuldade, ergueu o braço, tocou a mão ensaguentada na porta, que guardou as marcas de seus dedos trêmulos, tingidos de vermelho. Antes de sorver seu derradeiro quinhão de ar, ainda pôde ouvir a conversa entre os policiais:

– Sargento, este não é o meliante fugitivo!

– Droga! Mas a gente não tem culpa desses pretos serem tão iguais.

Marco Aurelio Vieira
Enviado por Marco Aurelio Vieira em 23/07/2017
Reeditado em 12/08/2018
Código do texto: T6062291
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