A SORTE DO FELISBERTO
-Que acidente feio! O Felisberto teve muita sorte em só ter partido uma perna. Assim ao menos pode tratar da sua vida ainda que usando canadianas - dizia o João.
-Ao que me disseram, ele não partiu uma, mas as duas pernas – corrigiu o Rui.
-Teve sorte! Ao menos consegue comer, ler, tratar das necessidades básicas... Se fossem os braços estaria bem pior.
-Contaram-me que o Felisberto também partiu o braço esquerdo – intrometeu-se o Maurílio.
-A sério? Que grande sorte teve ele! Fosse o direito e estaria muito mais dependente.
Do fundo da sala, o velho Vitorino entrou na conversa:
-O braço esquerdo? A mim, a vizinha dele contou-me que o coitado, além das pernas partiu os dois braços.
-Mas olha que mesmo assim, o Felisberto estava em dia de sorte. Já viram se, em vez dos membros, ele partia a cabeça? Há gente que, depois de uma pancada na mona nunca mais regula bem.
-E quem disse que não partiu a cabeça? – bicou o dono do café. - O desgraçado partiu-se todo. Diz quem sabe que está embrulhado em gesso e ligaduras da cabeça aos pés.
-E ainda assim escapou? Que grande sorte! Morre-se por muito menos!
Aleixo, o carteiro da zona entrou de rompante no café:
-Já souberam do Felisberto? Coitado, acabou de falecer. Tão novo…
-Também se sobrevivesse depois de um acidente daqueles, nunca mais teria conserto. Era coisa para vegetar inconsciente, preso a uma cama sabe-se lá por quantos anos… Muita sorte teve o Felisberto.