PAISAGEM TEMPORAL

Começo assim, pelo amanhã. Pela impávida certeza do amanhã, porque é inútil querer dar ao tempo a cronologia humana tão óbvia e tão imbecil. Então é pelo amanhã que começo. Sei que ele há de ser um progresso. Ainda que apenas uma progressão meramente temporal, um progresso sim. Mas como é meu este amanhã, ouso dar a ele as minhas cores, e pincelá-lo com matizes que eu mesmo invento. Fugazes matizes – in vento. Todas as casas serão douradas pelo sol da aurora, e nesse instante não haverá distinção entre barracos, tugúrios e palácios. O vento fresco da manhã soprará impurezas, levará embora ressentimentos e mágoas, e o céu se abrirá num tudo azul jamais visto. Um novo verde brotará no chão de todos os lugares, e a esperança será desnecessária, pois o verde significará a eterna abundância de flores, frutos e alegrias. As nuvens virão no decorrer do dia e serão lençóis a acenarem que a paz está definitivamente semeada. Nas cores do meu futuro, o mundo já frutificou, e todos os homens são iguais.

Prossigo pelo ontem. O inevitável tempo já passado é o que foi. Imutavelmente estático, diante de nós. Diante de nós. Diante! Não dá para alterá-lo. Não consigo modificar a fumaça negra que os caminhões vomitaram dentro dos nossos pulmões. O cinza e as cinzas, que tomaram o lugar do verde. O vermelho do sangue inutilmente derramado. O amarelo desbotado das plantações secas. As desarmônicas cores da desarmonia humana. O negror da avareza. O sem-cor das pessoas que correram para o nada, atrás do tudo azul. O sorriso amarelo. O rubor da ira. Não consigo pincelar o ontem, recriar o que já foi.

Termino aqui, pelo presente. O sonho é um presente. Insisto, por isto, em sonhar. Esse é o instante mágico em que habito. Um lugar-tempo que não existe porque não veio, e se não veio é, ainda, futuro. Um lugar-tempo que não existe, porque acabou de passar, e já virou passado. O sonho é um presente. E no presente fico revivendo as memórias do amanhã. Remoendo agradáveis reminiscências do que ainda não vivi. Revertendo o caos da ordem, e virando do avesso o dito popular: nada como um dia antes do outro...