ESPANTALHO

ESPANTALHO

Dia ensolarado de poucas nuvens em um céu anil impingido por dois urubus a esmo. Solitário, inerte em meio às folhagens, o espantalho estampa um sorriso dúbio na face. O vento tépido lhe balança os fios. No interior do ventre, os sabugos de milho são percorridos por insetos. A calça e o sapato roto, doados pelo dono da fazenda, a camisa listrada, pertencia ao filho do fazendeiro. O chapéu...

Ah, o chapéu! Única parte da indumentária comprada em uma feira, especificamente para ele; já se encontra descaída em sua cabeça. Alguns pássaros pousam sobre o boneco e o bicam, fazendo-lhe companhia; gorjeiam e partem sem despedidas. Uma raposa surge na mata, observa-o com indiferença e segue seu caminho.

Assim, nos giros do mundo, cada vivente segue seu destino. E o espantalho, despreocupado e sem sentimentos, queda-se alheio a tudo.

Nesta noite, alguns pirilampos o iluminarão...

(IN)FELIZMENTE, AS HISTÓRIAS TOMAM RUMOS INUSITADOS. DE TAL SORTE QUE UM FINAL ALTERNATIVO ME FOI INSPIRADO AO SOM DE UMA CANÇÃO DE PINK FLOYD.

...Surge algo fantástico, na ventania no início da canção One of these days, de Pink Floyd, quatro figuras negras aladas se fazem presentes ao redor do espantalho, afugentando os vaga-lumes. Um deles, dedilha o baixo e um esqueleto começa a se formar no interior do boneco. Outro vulto inicia o toque em um teclado e carnes revestem os ossos preenchendo as vestes daquele ser inanimado. A terceira figura escura executa as notas na guitarra e o rosto do recém encarnado se torna corado pelo sangue que agora faz parte do seu corpo. O sujeito dá seu primeiro suspiro; e ao ver uma tela no chão com imagens dos criadores do espantalho, fala de modo gutural suas primeiras palavras: "one of these days I going to cut you into little pieces".

O último anjo ou demônio inicia a percussão na bateria que aparece para ele. O homem ajeita o chapéu, pisca para o quarteto e sai correndo enfurecido no breu da mata. A música continua, uma casa em chamas ao longe crispa o ar noturno com suas intensas labaredas. No derradeiro acorde, a ventania...

Com sorriso macabro estampado no rosto e matizes vermelhos na roupa, o espantalho se encontra suspenso na estaca, da qual, à meia noite, havia se desprendido. Estaria alheio ao velório que aconteceria horas mais tarde?

Ilton Paiva

Ilton Paiva
Enviado por Ilton Paiva em 14/11/2016
Reeditado em 09/12/2016
Código do texto: T5822701
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