Os Segundos do Anjo
Lembra toda a leveza de existir. O coração desarmado. O ônibus sacolejando, mas mesmo assim uma música se formando na cabeça. As voltas e voltas do ônibus pelas ruas estreitas do bairro, que demora para chegar a um lugar cujo trajeto poderia ser feito quase que em linha reta em muito menos tempo. Alguém entra no ônibus e começa também a cantar uma canção parecida, mas logo senta, parecia também estar assim, feliz, sem motivo. Faz muito calor, e já está quase anoitecendo. De repente, um rapazinho senta-se ao seu lado. Ela olha para ele – instintivamente, sente um arrepio. Mas esquece. Aquela música continua a rodar em sua cabeça, sente-se feliz. Movimentos ao lado chamam sua atenção. O rapaz se move, torce as mãos. Ela fixa seu rosto. Seus olhares se cruzam. Ela pensa: “ Que rapaz bonito. E tem rosto de anjo” --- e novamente se volta para a janela, a divagar, a refletir, a lembrar o quanto amava aquela cidade, apesar de sua barulheira, de sua luta diária para sobreviver e também de tantos sonhos desfeitos. Múrmúrios começam a se elevar, transformando-se em gritos quase histéricos em frações de segundos e ela desperta. A moça do banco da frente se volta pra ela: “Você viu moça?” – viu o quê? Não tinha visto nada. – “O rapaz que estava sentado ao seu lado: veio aqui na frente, sentou em outro banco e depois roubou um monte de gente, foi levando o que pode. Não roubou você também?” – Não, não tinha levado nada. Ela nem sequer notara que ele se levantara. Lembrou do seu rosto de anjo e de seus olhos claros nos olhos dela. Agradeceu então mentalmente ao anjo que, por segundos, tinha trocado de lugar com ele, impedindo-o de vê-la.
Lembra toda a leveza de existir. O coração desarmado. O ônibus sacolejando, mas mesmo assim uma música se formando na cabeça. As voltas e voltas do ônibus pelas ruas estreitas do bairro, que demora para chegar a um lugar cujo trajeto poderia ser feito quase que em linha reta em muito menos tempo. Alguém entra no ônibus e começa também a cantar uma canção parecida, mas logo senta, parecia também estar assim, feliz, sem motivo. Faz muito calor, e já está quase anoitecendo. De repente, um rapazinho senta-se ao seu lado. Ela olha para ele – instintivamente, sente um arrepio. Mas esquece. Aquela música continua a rodar em sua cabeça, sente-se feliz. Movimentos ao lado chamam sua atenção. O rapaz se move, torce as mãos. Ela fixa seu rosto. Seus olhares se cruzam. Ela pensa: “ Que rapaz bonito. E tem rosto de anjo” --- e novamente se volta para a janela, a divagar, a refletir, a lembrar o quanto amava aquela cidade, apesar de sua barulheira, de sua luta diária para sobreviver e também de tantos sonhos desfeitos. Múrmúrios começam a se elevar, transformando-se em gritos quase histéricos em frações de segundos e ela desperta. A moça do banco da frente se volta pra ela: “Você viu moça?” – viu o quê? Não tinha visto nada. – “O rapaz que estava sentado ao seu lado: veio aqui na frente, sentou em outro banco e depois roubou um monte de gente, foi levando o que pode. Não roubou você também?” – Não, não tinha levado nada. Ela nem sequer notara que ele se levantara. Lembrou do seu rosto de anjo e de seus olhos claros nos olhos dela. Agradeceu então mentalmente ao anjo que, por segundos, tinha trocado de lugar com ele, impedindo-o de vê-la.