A caça
Os leões estavam tristemente magros. Mais bois seriam abatidos com o restante da herança, e ainda não seriam suficientes para os catorze leões.
Pesando menos de 150kg, os animais roíam as grades, e os caninos mostravam-se quebrados.
A fome estressava-os. Rugiam com a atividade humana ao redor, abatendo qualquer ser vivo que se aproximasse das jaulas. Os suprimentos chegaram no mesmo dia que um filhote foi devorado.
As tardes de verão acentuavam o sofrimento de todos e a sua pele ardia. O tratador caminhou lentamente até as jaulas, e notou que nesse dia, um estranho silêncio o acompanhou. Somente o puro silêncio e ele. Abriu a portinhola e entrou. Não sentiu nada quando foi apanhado pelas costas num gesto traiçoeiro, e os segundos perderam-se no momento de espera.
Então o leão lambeu-lhe a face, gentilmente, o suficiente para acordá-lo. Abriu os olhos, mas não conseguiu enxergar. Ainda sonolento pelo impacto, tentou o impossível: fugir. Mas o tempo foi nobre, deixando-lhe sonhar correr, como um guepardo na caça. Logo percebeu que a morte chegaria lenta com o cheiro nauseante de sangue a escorrer-lhe pelas pernas perfuradas, descobrindo tardiamente que aquele silêncio se tornaria fúnebre.