Eclipse

Noite de sábado, vozes e barulho que vêm da rua incutem uma vontade indefinível de que alguma coisa aconteça, algo diferente do estado concha do costume, ao mesmo tempo que a perspectiva da interação traz o abatimento e o apego ao conforto na medida ideal à indecisão neurótica, desconforto inutilmente adoçado à força de álcool ou o similar mais à mão, música e fiapos digitalizados de sintonia humana, assim poderia algum metódico olhar para os últimos ciclos de nada e dar um suspiro estatístico enquanto constata o empate delicado entre força e desespero, teimosia e abertura, orgulho e aceitação, medo e pertencimento, mas o estresse decorrente da canastrice taoista vinha causando fraturas no decorrer da falsa fluidez, de maneira que noites como a de hoje faziam cada vez mais parte do que se cristalizava como a única realidade.

Nem tinha o direito de olhar para o oco com perplexidade, qualquer que fosse o nível de cretina que a adjetivasse, o domínio côncavo vinha se estabelecendo e sendo festejado há tempos, orgulho fajuto de argônio torcendo o nariz para o resto da tabela periódica, mas agora não sabia se sofria de falta de imaginação ou superestima da própria estrutura, e também não quanto tempo mais duraria o teatro na frente do espelho (convexo), seu talento no papel de ser vivo ou na pedra de ser morto ou na tesoura de ser liberto.

Numa noite como agora, quando a cortina mágica volta a ser o abismo dos pingos remotos de fornalhas de fusão nuclear, é fácil e salvador se lambuzar no fascínio das infinitas possibilidades de não ter existido, contra a fatalidade inimaginável de estar aqui, AQUI, segurando uma garrafa de cerveja meio quente enquanto gritam truco ali numa mesa de felizes.

Dener Pastore
Enviado por Dener Pastore em 23/10/2015
Código do texto: T5424152
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.