LEOPÉRCIO E O ABRAÇO DE GAMBÁ. Série Figuras da Bahia
SÉRIE FIGURAS DA BAHIA
LEOPÉRCIO E O ABRAÇO DE GAMBÁ
LEOPÉRCIO DA FRANÇA RIBEIRO
O Prof. Leopércio da França Ribeiro era Inspetor Escolar e hóspede oficial dos meus pais. Tinha um hábito recorrente de morder a língua, sem parar, mas era um homem de bem. Prestativo, inteligente, fanático torcedor do Vitória.
Sofria de erisipela e era acometido dessa doença sazonalmente. Quando viajava de Salvador para Poções, talvez em conseqüência da longa viagem de trem e marinete, assistíamos o seu sofrimento, com uma perna sobre a cadeira e o tratamento que lhe era dispensado com gemas de ovos sobre a perna inchada e vermelha da inflamação.
Independente disso, era um bom professor e nos ajudava nos afazeres escolares nos quatro ou cinco dias que passava como nosso hóspede.
Também era viciado em jogo de cartas. Era bom perdedor no jogo de buraco e jogava o dia todo. Quando não havia adultos para a disputa, jogava com a criança que estivesse de plantão.
Quando estávamos em Salvador, como pensionistas na casa da D. Inês Alakija, na rua Siqueira Campos, 16 , Barbalho, aconteceu um fato inusitado.
D. Inés dava abrigo a quatro senhoras idosas de nomes Ana, Alice, Engrácia e Laura. A Laura era negra, baixinha, de uns 80 anos, que bebia horrores.
O professor Leopércio era muito educado e tinha o hábito de abraçar e cumprimentar a todos, invariavelmente, com a mesma intensidade.
Numa dessas visitas a D. Inês, vestido à capricho, paletó e gravata, como era de costume, encontrou-se na porta da casa com Laura que havia defecado nas vestes e vinha chegando com a mão segurando a saia, entre as pernas, completamente embriagada. E o professor Leopércio, que havia descido do bonde, cujo ponto era frontal à entrada, foi logo cumprimentando a Laura, que tirou a mão da saia e trocou aquele abraço de gambá com o Prof. Leopércio.
Cena que tornou-se inesquecível, de constrangedora e hilariante que foi, tanto para D. Inês quanto para nós, adolescentes que víamos em tudo um motivo para pândegas...
Laura entrou em casa com aquele mau cheiro insuportável e o professor Leopércio com o paletó sujo, que teve de ser devidamente lavado e desinfetado, o que levou umas duas horas, enxuto no ferro de engomar, quente na brasa de carvão vegetal, soprado com ar dos pulmões de Alice...
Este fato foi motivo de comentários e risos entre os pensionistas durante meses...