Roliça Sandra
Tia Vicentina, a Ticintina, tinha uma história conosco que dava gosto ver. Primogênita entre os rebentos de Velusiano e dona Inhana, estudara só um primeiro ano de escola, não se casara, emprego na fábrica de tecidos arrumara, e suas horas vagas eram para nos pajear, uma prole que a cada dois anos via aumentar.
E nossas casas, na antiga população operária do Brumado, distavam de no máximo uns quatrocentos metros, embora em ruas diferentes. Suas vindas, enquanto papai e mamãe se alternavam na faina da tecelagem, eram variadas, mas sempre certas. Suas outras irmãs solteironas é que não passavam de episódicas.
E íamos crescendo e ouvindo os seus casos, todos baseados em experiências pessoais, vividas na infância e juventude passadas numa então povoação vizinha chamada comumente Onça de Pitangui. Suas histórias soíam repetir, mas ela não alterava uma virgulinha sequer de seu didático relato.
Embora mantivesse o estranho tabu de nada mencionar dos albores de sua vida afetiva, no resto, soltava a língua. E pedia, às vezes, cumplicidade para não testarmos a braveza dos pais. Um caso que me vem à lembrança é o das laranjas que nos descascava e, antes de dar o corte na tampa, perguntava, a sottovoce: quer a tampa comum, ou prefere cuzinho de galinha? A escolha mais frequente era a segunda, mas só balbuciada, pois parecia concentrar melhor o sumo que se espremia, a despeito de vir também com aquela sementeira toda.
E só uma vez tia Vicentina nos desapontou: um primo distante que havia chegado, o Chiquinho de Firmina, que à época já iniciara uma promissora carreira de serventuário do Banco do Brasil, trouxe sua nova família consigo e, cuja filha mais velha, pouco mais nova do que nós, era uma morena cheinha e insinuante, Sandra e Ticintina não escondeu seu imediato pendor pela guria. E passou a balançá-la, com entusiasmo no balanço de nosso quintal.
Sentimo-nos ultrajados. E mesmo que praga não tivéssemos rogado - espevitadamente - a menina, num baloiçar mais robusto, despencou de seu assento e estatelou-se no chão. Sem maiores consequências, senão o choro, e um ego arranhado. Pérfidos, sentimo-nos vingados daquele temporário abandono. Um mercúrio cromo acalmou a menina e, doravante, avermelhou nossas consciências - até a partida da família do Chiquinho. Ticintina voltou a ser nossa.