VÂNDALOS CONTRA A POLÍCIA. Série: Figuras de Poções
VÂNDALOS CONTRA A POLÍCIA - SÉRIE FIGURAS DE POÇÕES - BAHIA
Corria o ano de 1962... Quando gravador de som era algo quase desconhecido para a grande maioria dos brasileiros, raríssimo até em segmentos abastados da society e estranho para os menos informados, numa época em que a TV engatinhava na Bahia com o advento da TV ltapoan, cuja transmissão era restrita à capital e à região metropolitana de Salvador, eis que realizei velho sonho ao adquirir na loja "A MODA" da Av. 7 de Setembro - S. Pedro, em Salvador, um gravador italiano da marca Geloso. Naquele tempo não existia fita K7 e o gravador era de rolo, com 3 rotações, característica dos gravadores profissionais. Por falar em "A MODA", esta loja pertencia ao pai de Mário Kerktesz, (que depois seria prefeito de Salvador) Emesto Kertesz, velho educado e simpático. Ali eu comprava tudo, na base da prestação. Bons tempos...
Este gravador me acompanhou por muitos anos e me proporcionou muita alegria.
Certa feita, em Poções, não tendo nada para fazer de útil, resolvemos, eu e o meu irmão Ernesto, realizar umas brincadeiras com alguns amigos. Instalamos o gravador na sala contígua à sala de visitas da nossa casa e construímos uma espécie de antena externe com fios e mais fios, que saiam pela janela e iam parar num prego, estrategicamente enfiado na parede do nosso quintal. Para os leigos, parecia uma mini-estação de rádio. Gravamos uma fita que fazia o preâmbulo do programa, com propagandas gravadas diretamente da Rádio Sociedade, com interferência, descarga e tudo o mais. Na gravação, afinal, mudando a voz, eu chamava a mim mesmo: Alô, alô - Benedictis, diretamente da cidade de Poções, pode falar. Ai eu entrava, cumprimentava os “ouvintes e o entrevistado da noite”, comentava o assunto sobre o qual debateríamos e estava iniciado o debate.
Vale salientar que à época havia acontecido um quiproquó dos diabos, quando alguns políticos invadiram a Delegacia de policia, destruindo o rádio e deixando alguns processos queimados. Havia um clima de forte tensão entre o Judiciário, a policia e os políticos. Foi aí que entramos no ar a realizar entrevistas com o Avaliador Judicial, o Porteiro dos Auditórios, comerciantes e outras personagens envolvidas no caso.
- Queridos ouvintes, com certeza haverá uma saída para o mistério que envolve a policia de Poções e os políticos. Como todos sabem, o serviço de rádio foi furtado, alguns inquéritos foram queimados. Quem teria sido o autor ou autores desse ato de vandalismo? Para tentar desvendar este caso incrível, estamos trazendo até os ouvintes da PRA-4, Rádio Sociedade da Bahia, o Sr. Otaviano Galdino Freire, Avaliador Judicial da nosso comarca.
- Hoje recebemos em nosos estúdios a visita do Avaliador Judicial de Comarca de Poções, Otaviano Galdino Freire, que tem algumas declarações a fazer sobre o tema em debate. Com vocês, para os seus cumprimentos iniciais, Otaviano Galdinoooo...
-
Aí entra o pobre Otaviano, todo embaraçado...
-
- - Minhas senhoras, meus senhores, meu boa noite...
- - Diga aos nossos ouvintes, Galdino quem está por trás desta trama diabólica?
Galdino, entre nervoso e indeciso...
- - Bem. Eu não posso afirmar quem roubou o rádio e queimou os processos, mas...
- - Mas o que, Galdino, você não nos disse há pouco, nos bastidores, que foi o pessoal da prefeitura, ligado ao prefeito Aníbal Carvalho?
E Galdino se enrolava mais ainda...
- - Não posso garantir quem foi, mas...
- - Mas o que, seu Galdino’?...
- - O certo é que queimou tudo...
- - Galdino, quais os boatos que correm pela cidade?
- - Bem são vários...
- - Diga para nossos ouvintes, pelo menos um deles, para satisfazer nossa curiosidade...
- - Mas eu não posso provar, homem de Deus, como que eu vou falar no rádio se eu não vi?
- - É, amigos ouvintes, o nosso Avaliador Judicial, Otaviano Galdino, está com receio de dizer a verdade. Vamos deixar que os fatos se esclareçam. E não percam: amanhã, neste mesmo horário, teremos uma entrevista bombástica com o Sr. Lindolfo Deocleciano de Souza, porteiro dos auditórios. Muito obrigado e Boa noite.
Alô Eurico a palavra está com você, a partir de agora.
E a gravação era acionada para que o Eurico desse continuidade à programação.
Como esta, realizamos uma série de entrevistas sobre o assunto, até sermos chamados pelo prefeito que nos implorou em nome da amizade com o nosso falecido pai, para deixarmos aquele assunto de lado e falarmos de outras coisas. Como ninguém conseguia sintonizar a Rádio Sociedade, tudo foi às mil maravilhas durante um mês; tempo em que, por não ter o que fazer de melhor, exercitamos a nossa vocação de repórter, às custas da ingenuidade de alguns elementos, tidos e havidos como muito bem informados e muito sabidos.
Afinal, eram representantes da Justiça que sabiam muito, além do que, gostavam de guardar segredo...