São Cipriano, da capa preta
Borishkó borijopi, fon! Era esta a expressão exata para se fazer um bom feitiço. Descobrira-a a mana Belinha, num sonho. E desde então
fazia questão de pronunciá-la todo dia, sete vezes, para não esquecer e para, na hora agá, fazer a coisa pra valer.
Não havia muita gente disposta a tocar num assunto desses no entanto. Gente que tinha religião - e era quase todo mundo - tinha pavor de feitiço e até de pensar nisso. Sobrava então o Zé Vicentão, que deu a Belinha alguma introdução. Mas mais pra frente não ia não, de medo de tomar ele próprio, um tropicão.
Como fazer então? A referência que tinha Belinha é que tudo se completava com um livro de São Cipriano, ele famoso por seus feitiços, diretos e sem enguiços. Deveria ter feito feitiço até para entrar no céu, pois ao que consta, feitiço e religião não são de andar mão em mão.
E mais: pra valer mesmo, pra ser autêntico, só o São Cipriano da capa preta. O resto era treta. Mas como achar um livro proibido pelo Vigário, temido pela temente comunidade de cristãos? As palavras introdutórias, que já tinha descoberto em sonho e tanto feitiço bom e necessário a ser feito, e nada feito, justamente por faltar o livro eleito. Mas que jeito?
Rezar, fazer tríduo, novena pra encontrar a tal obra em alguma biblioteca esquecida? Não seria anular a intenção por meio da oração?
Até que um dia - logo em Genebra, calvinista de quebra, quem diria - fui encontrar a obra tão perseguida pela mana Belinha.
Capa preta, sim. E não só uma edição,m mas duas. Folheei, folheei e de Belinha me lembrei. Só no borishkó borijopi é que não falei. Bem, falei. Mas falhei, pois o que era bom era justamente o fon do final. De que me olvidara.
Ao sair da livraria, não achei a rua cheia de confete e serpentina, tampouco vi a menina que para mim sorrisse. Mas o tempo, e, em meio a tanto fonfon, comigo mesmo me disse, era doutro fon, o Ronnie Von.