Cisne negro
Com os olhos rasos, observava estático o corpinho seminu, débil e despigmentado no chão fétido do porão escuro; os cabelos que outrora ostentavam tom loiro vibrante, jaziam ralos, quebradiços e desbotados, desalinhados recobriam parte do rosto frígido da bailarina, furtada dos palcos para viver triste sina... Um brinquedo fixo na caixinha de música tétrica. O teto descascado pelas infiltrações permanecia congelado nos olhos negros, arregalados, tão frios quanto as algemas que limitavam seus passos, parecia impactada com o fim do cárcere.
Aquele homem encarava imóvel a incompetência das correntes frente ao que resgatou sua amada, após três anos, quatro meses, vinte dias e duas intermináveis horas. Com as mãos na cabeça, ele respirou fundo, sem saber o que seria da sua vida doentia sem os maus-tratos e abusos denominados como prova de amor. O sentimento forte e sombrio dilacerava-lhe o peito inconformado com a perda da alma estilhaçada que considerava sua propriedade.