Mais Um Passo
Dezessete anos. O quarto mudou neste tempo, mas não a paisagem certa, relevante. Ela estava ali; sempre esteve, bem ou mal, como uma antecipação do amanhã e uma lembrança do ontem. Dezessete anos em que a chamei de minha mulher, amor, benzinho, sabe-se lá quantos adjetivos mais. A minha mala, fechada, repousa ao pé da cama, agora deserta de sentido. Não me vem à mente mais nenhum adjetivo.
Pensei como seria aquele primeiro dia. Segunda-feira ao som do escritório, dos amigos complacentes, do almoço rápido. Ontem, ela chorou. Eu quis chorar, pedir desculpas, dizer que não éramos quem pensávamos ser; mas, se é assim, quem somos, então?
Tenho que ir. A mala denuncia o peso das coisas guardadas, os pertences mínimos de uma vida. A porta do quarto está longe e perto. Ela acaba de bater a porta da rua; saiu para esta semana de abismos. Mais um passo e consumo a história.
Sinto o corpo arder em febre. Fecho os olhos, como quem se inspira. E mais uma vez, com a cabeça em seu colo, o tempo para. Ela me invadiu e definiu. E na mala que pende da mão inerte, sei que a levo comigo, pranto sem lágrimas, dor sem redenção.