Friagem

Está frio. Pode senti-lo? Rastejando sobre a minha pele, arrepiando os pelos, me rodeando com sua capa protetora de gelo. Estamos sentados aqui sob a friagem, meu computador, meu coração e eu. Estamos discutindo a falta sua, estamos tremendo a saudade sua, estamos relembrando o gosto dos seus lábios. Nas abas abertas do computador, poesia deprimente, contos recheados de morte e saudade. Consegue ver o que a sua falta provoca em mim? Vontade incontrolável de fumar, desejo irreparável de beber, causa infinita de viver mal. Não tenho cinzeiro, as cinzas cairiam no chão, seriam levadas por esse vento, se eu tivesse um aqui, mas nem esse sossego tenho agora, não, agora tenho só esse buraco no peito, e essa música que me transporta aos nossos momentos mais felizes. Espreitando-me, ali no canto, uma aba oculta, está você e o registro de nossa felicidade, fotos, vídeos, declarações, todas esquecidas na hora do despedir, na hora do acabar. O frio faz festa no buraco do meu peito, e que venha mais forte, que congele esse músculo chamado coração. Que congele e que não haja amor nesse mundo que o descongele, só o seu. Estou quase saindo de casa, em busca de outro você, substituto fraco de você. Que as milhas que nos separam deixe de ser a imensidão do meu sofrimento, que as milhas que nos separam torne-se a imensidão do seu futuro sofrimento. Estou indo em busca de um substituto, mas se der na telha, vou em busca de você e da sua vagabunda. E esse frio e essa neblina e esse ressentimento não há de me segurar com a Glock na mão.