Desamor

Na casa dos vizinhos as roupas de crianças chacoalham com o vento. No meu quintal o vento chacoalha minhas flores, meus pés de rosas, minha grama mal aparada. Na casa do vizinho um bebe chora pelos pulmões a sua insatisfação com a vida, em minha casa não há vida. Na casa do vizinho a alegria impera, em minha casa, morte.

Da janela do quarto posso ver o mundo correndo a minha volta, e em volta de mim flutua o fantasma da saudade, flutua sobre mim o medo, a angustia, o desespero, o abandono. Flutuam e me apontam seus dedos caluniosos, fazendo brotar o sentimento desesperador e também libertador de uma vida além de mim.

Não há nada que me prenda nessa vida. Não há nada que me recobre o interesse. Não há trabalho suficiente que me mantenha comprometida, não há homem suficiente que me satisfaça, não há conhaque suficiente que me embebede.

Estou passando pela vida como uma perdida, como uma alma vazia, um ser malfazejo que não tem propósito. Quem há de sentir minha falta, quem há de derramar sobre meu túmulo uma lágrima de saudade? Não há quem me queira, não quem realmente me queira, não há…

A casa do vizinho é amarela, a grama é verde, as crianças são saudáveis, o cachorro é dócil. Aqui em casa as paredes são de reboco, as crianças são fotos antigas na parede, o cachorro é o osso no quintal e a grama será fertilizada com meus restos mortais.